28.4.21

OPINIÃO: DENEGRIR O 25 DE ABRIL

Pensava-se que com o tempo ia desaparecer aquela ideia dos saudosistas do Estado Novo, que afirmam que o 25 de Abril abriu as portas à corrupção e ao aumento da criminalidade. Até a liberdade conquistada, é acusada do aumento da falta de respeito. Pois, o tempo passa e as pessoas que não percebem as origens destes problemas sociais e políticos, teimam em bater o pé nestas análises descabidas.
Nas comemorações do dia da liberdade é usual enaltecer as grandes conquistas, como o voto livre, o fim da censura, da repressão e a melhoria da educação e da saúde para todos; assim como, apoios sociais tais como o subsídio de desemprego. E, 47 anos depois, assistimos incrédulos às declarações do juiz Ivo Rosa em relação ao processo Marquês.
Mas será que é para surpreender? Se no sigilo bancário, já se deram passos significativos, na criminalização do enriquecimento injustificado, existiram obstruções por parte dos Grupos Parlamentares do PS, PSD, CDS e do antigo presidente Cavaco Silva. Situações destas, infelizmente, já fazem história na nossa justiça. E já agora, o Ministério Público esteve bem? Claro que não!
Assistimos ainda a uma petição sem efeitos práticos, que só pode ter sido produzida por quem não sabe o que é a separação de poderes. Há muito que a esquerda insiste na criminalização do enriquecimento ilícito, mas ao contrário, vários governos apostaram na falta de meios para a investigação. PS, PSD e CDS têm culpas por a justiça ser morosa e deixar prescrever crimes que estão à vista de todos.
Prescrever não significa inocência, mas antes, que se pode deixar à solta um criminoso. Os megaprocessos são formas de complicar e, as leis feitas a régua e esquadro permitem portas giratórias utilizadas na finança e offshores. Daí temos resultados como Isaltino Morais e Paulo Portas com os submarinos. É uma justiça que é fraca com quem tem dinheiro e dura com quem não tem.
A envolvência entre os grandes Grupos Económicos e a política, em especial dos dois maiores partidos, forma o eixo da corrupção. Temos muitos exemplos como Ferreira do Amaral, que com Cavaco Silva deram o monopólio à Lusoponte e depois, Ferreira do Amaral lá foi direitinho para a Administração da Lusoponte; o caso do corrompido Manuel Pinho, ex-ministro da Economia de Sócrates, por parte de Mexia da EDP. Em 2017 o fisco perdoou 125 milhões à Brisa, onde António Vitorino era Presidente da A.G. e recentemente, Francisco Gomes da Silva, ex-secretário de Estado das Florestas do governo de Passos Coelho, que liberalizou a plantação dos eucaliptos, foi posteriormente nomeado diretor-geral da CELPA e representa a Associação da Indústria Papeleira que congrega o poder das celuloses em Portugal.
Este problema é transversal do norte ao sul da Europa. E agora, a crise económica é adubo para a corrupção e crime organizado na EU, onde a maior dificuldade é estancar o branqueamento de capitais. A própria União Europeia fecha os olhos e obriga os contribuintes europeus a pagarem os crimes de corrupção de alguns banqueiros. A direita tem dominado a Europa e não altera este velhinho sistema que permite prescrições, obstáculos à investigação e nas últimas décadas, também, com insolvências manhosas.
Para os saudosistas de Salazar, dizer apenas o seguinte: Pensar que no Estado Novo não havia corrupção e que a justiça era um oásis, é um mero exercício de delírio ou analfabetismo político. O poder económico clássico em Portugal, transitou do Estado Novo, com os tiques de protecionismo do Estado e consequente promiscuidade entre o poder político e o económico. E é nesta área que se observa a grande corrupção, como se constatou no caso “Operação Marquês”, com Sócrates e Salgado a gozarem connosco.
Salazar protegeu umas quantas famílias que ainda hoje têm poder e permitiu que o povo além de reprimido, fosse explorado para esses enriquecerem ainda mais. Até a justiça estava ao serviço do regime e protegia as elites económicas, através do tráfico de influências, enquanto a censura estancava os casos de corrupção. Dizer: “isto só lá vai com um Salazar” é a prova de que muito há a fazer pela mentalidade das pessoas que ficaram presas a um passado de obscurantismo de um regime corporativista.
A preocupação com a corrupção é recente. Em muitos aspetos a revolução de Abril ainda está por cumprir e não podemos desistir. Os progressos exigem coragem e confiança; também não podemos permitir que pessoas mal-informadas, ou mal-intencionadas consigam denegrir o 25 de Abril.
Paulo Cardoso - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre (23-04-2021) -