Neste momento de mais incertezas, do que certezas, as dívidas públicas continuam a ser uma pedra na engrenagem europeia, sem “bazucas” que as resolvam. Os países continuam amarrados a dívidas sem auditorias e sem planos sérios de resolução, porque não interessa resolver. E o Tribunal Constitucional alemão está a atrasar a resposta europeia à crise pandémica.
O mesmo se passa com a dívida privada e o tema “moratórias” anda na ordem do dia. A oposição adiou o fim das moratórias, pois no atual cenário, não é aceitável abandonar as pessoas; mas também é importante arquitetar medidas para a recuperação faseada. Estamos a falar de 45,6 mil milhões de euros no final de fevereiro. É mais de metade do último empréstimo da troika; é o caminho para uma vaga de incumprimentos e consequente crédito malparado.
O pior é que, inevitavelmente, se fala mais dos efeitos desta pandemia, não só pela saúde e mortes, mas pelo impacto que está a ter na vida das pessoas; desde os negócios, desemprego, vida familiar e social. Mesmo assim, o Governo quis fugir ao compromisso dos apoios sociais para responder à crise, querendo enganar inclusive, trabalhadores independentes e sócios-gerentes, para fugir com cerca de 40 milhões de euros/mês. Isto depois de já todos terem percebido o embuste dos apoios sociais prometidos pelo governo no OE. Contudo para as novelas TAP, Novo Banco e EDP, é o que se sabe…
O Governo ainda nos vem dizer que é injusto, a forma aprovada para os apoios sociais. Resumindo, a ideia do governo é salvar pessoas, empresas e famílias, conforme a contribuição feita para a Segurança Social… É do género, ó Manel, descontaste pouco? passas fome… duas pessoas estão a afogar-se, mas salvamos primeiro a que descontou mais… estamos numa guerra Sr.ª ministra Ana Mendes Godinho… A regra da contribuição, tem de ser substituída pela da emergência. A oposição e o Presidente da República acabaram por dar um pouco de ética à política.
Esta situação colocou a nu a incoerência do OE aprovado. Qualquer pessoa entende que deve existir um mecanismo que impeça um governo de gastar mais do que é possível e para isso existe a “Lei-travão” que Costa chamou em sua defesa. Mas não foi o que vários governos fizeram durante décadas? Gastar demais? E se o Estado de Emergência serve para colocar algumas leis constitucionais “congeladas”, a “norma-travão” é uma exceção?
Falamos de um governo campeão nas cativações, que deixa escapar impostos por aqui e ali, não conseguindo evitar negócios como a venda das barragens por parte da EDP com perdas para o fisco na ordem dos 110 mil milhões de euros. E fica para a história, por ser na Europa, o mais fraquinho a apoiar as vítimas da pandemia.
A Constituição, ou Lei Fundamental, fez no passado dia 2 de abril, 45 anos e sofreu alterações ao longo dos anos; foi o garante dos direitos fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos; foi a abertura para uma sociedade progressista e justa. O PS gosta de evocar a Constituição quando dá jeito, enquanto o Chega ignora as sete revisões e quer uma nova Constituição para compor… Quer dizer, para acabar com a garantia da salvaguarda dos direitos humanos, consagrados pela ONU.
Francisco Fanhais imortalizou numa canção, os versos da Cantata da Paz de Sophia de Mello Breyner Andresen, «Vemos, ouvimos e lemos Relatórios da fome O caminho da injustiça A linguagem do terror». «Vemos ouvimos e lemos não podemos ignorar». Nestas questões, por muito duro que seja ver, ouvir e ler, é importante não ignorar. Os números do desemprego, associados a falências e os problemas sociais estão a enegrecer a vida das pessoas. Com isto, temos a fome, famílias a desagregarem-se e o aumento das vítimas da exclusão social.
Vai ser necessário um programa de recuperação da economia, das pessoas e das instituições e não de cortes nos apoios sociais. Para tal, é fundamental que o Governo dialogue com todos e que reconheça de uma vez por todas, que o Orçamento que foi aprovado, não responde à crise. António Costa devia inspirar-se numa figura célebre, ligada às suas raízes e aprender a negociar com humildade como fez Ghandi, nomeado cinco vezes para o Nobel da Paz.
Mas se a humanidade aprendeu alguma coisa com esta dura lição, então, acima de tudo deve implementar, também, um programa de recuperação ambiental. Enquanto não percebermos que ao destruirmos ecossistemas, no que diz respeito a bactérias e vírus, estamos a abrir uma caixa de pandora.
Paulo Cardoso - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 9/4/2021
Imagem: http://www.nossacasa.net/shunya/?attachment_id=4954