O Fisco pode. E pode muito. Assusta. E assusta muito. Cobra. E cobra muito. Só não sabíamos que o Fisco também adora dar espetáculo. E ontem deu muito, ao levar para a beira da estrada a sua deriva persecutória, transformando uma operação stop numa ação musculada de cobrança de dívidas e de penhora de viaturas. Tratando cidadãos potencialmente incumpridores como criminosos que urge encostar à parede ou mandar a pé para casa como castigo público.
Numa ação desproporcional e devidamente publicitada, 20 agentes da Autoridade Tributária montaram tendas à saída da A42, em Valongo, à cata de receita. De legalidade duvidosa, de moralidade torcida e de eficácia reduzida, só nos resta pensar que o objetivo foi o da intimidação gratuita. Fortes com os fracos e permissivos com quem deve milhões e não é mandado parar em estrada nenhuma. O Estado que suga migalhas à má fila é o mesmo Estado que se serve do sigilo bancário para proteger os grandes devedores da Banca. Senhor pequeno devedor, os seus documentos. Senhor grande devedor, esteja descansado que o seu bom nome não cairá na lama. O Estado que pena ao sol para resgatar quatro ou cinco carros é o mesmo Estado incapaz de notificar Joe Berardo para que pague a fortuna que deve à Caixa Geral de Depósitos.
Bem pode agora o Ministério das Finanças alegar que não autorizou nenhuma operação stop, mas o que sucedeu em Valongo, soube-se entretanto, repetiu idêntico expediente utilizado há semanas em Santo Tirso e Trofa. Portanto, das duas uma: ou temos uma direção regional do Fisco tão inventiva que age à revelia do Ministério das Finanças, ou a cultura de saque fiscal ao português comum está tão enraizada que uma diligência desta natureza é encarada como normal e nem sequer é discutida superiormente (porque está enquadrada nos chamados "padrões" de atuação do Fisco, como ilustrou o ministro Eduardo Cabrita). Ao contrário do que parece, não é assim que se incentiva os cidadãos a pagar impostos. Na verdade, ações como esta são um convite à fuga. Não havendo moral, não comem todos. E deviam comer todos.
Pedro Ivo Carvalho - Jornal de Notícias - 29/5/2019