Os
Correios pertencem ao imaginário (pelo menos) daqueles que, como eu, andam
pelos cinquentas. As cartas e os postais eram meios de comunicação que
permitiam afinar a letra, apurar a prosa, contar infindáveis histórias,
expressar sentimentos, manifestar paixões... Os marcos do correio, que até
tinham uma espécie de relógio onde se indicava o horário da próxima recolha, e
os carteiros eram "figuras" que faziam parte das nossas vidas. Lá no
prédio, o carteiro era o sr. Adolfo que, todos os dias, aparecia a meio da
manhã, com um grande saco de couro castanho, de onde tirava as cartas (e
impressionava-me, sempre, como elas já vinham organizadas...). Que, em dias de
boa disposição, aproveitava para dar um chuto na bola com que nos entretínhamos
no pátio. E que, na altura do Natal, nos pedia para falarmos com os nossos pais
para que estes lhe dessem "a consoada", que mais não era do que a
gorjeta pelos serviços prestados ao longo do ano (e que, creio, compensariam o
baixo salário no tempo em que o subsídio de Natal era uma utopia!...).
Naturalmente
que os tempos mudaram e que, hoje, os meios de comunicação são radicalmente
distintos. Mas todos fomos assistindo, no final do século passado, às
artimanhas que os Correios utilizaram para degradar o serviço e encarecer o
preço dos serviços postais. Um correio que funcionava bem (bem sei que o
correio internacional durava uma eternidade que nos fazia regressar antes dos
postais remetidos de qualquer cidade estrangeira...), onde, internamente, as
cartas chegavam rapidamente. Os Correios inventaram, então, o "correio
azul", fazendo com que pagássemos o dobro para garantir o que antes estava
quase sempre garantido: entregar a carta no dia seguinte. E, depois, o
"correio verde" e outros sucedâneos, impondo a regra de que se queremos
ser "bem" servidos temos de pagar mais por isso...
Na
década passada, os Correios fecharam serviços. Preparando a privatização da
empresa, os seus gestores, só na cidade do Porto, encerraram dezenas de postos
e desativaram mais de uma centena de marcos de correios. Face a esta situação,
e numa cidade em que mais de 20% da população tem mais de 65 anos de idade e
cujas reformas chegam pela via postal, diversas juntas de freguesia,
voluntariosa mas erradamente, decidiram estabelecer protocolos com os Correios,
disponibilizando instalações e funcionários para assegurarem serviços de
correio aos seus fregueses, a troco de pequena contrapartida pecuniária. Como
hoje se vê, esses protocolos são deficitários para as juntas de freguesia. O
que significa que somos nós, cidadãos, que estamos a pagar a uma empresa
privada para que as nossas juntas de freguesia assegurem um serviço que essa
mesma empresa deveria assegurar - empresa essa que, só nos primeiros 9 meses de
2016, teve um lucro de 46 milhões de euros! Esta vergonha não pode continuar.
Sob pena de qualquer dia termos as juntas de freguesia a angariarem clientes
para o Banco CTT...
Rui Sá in "Jornal de Notícias" - 19/12/2016