O frio aperta nestes dias de
Dezembro. Ao andar no campo sinto as ervas partirem-se como se fossem de vidro,
e as pequenas poças de água ficam vidradas com uma fina camada de gelo, o
caramelo, para os nisenses.
Nestes dias refugio-me junto à
lareira. A grande cavaca de azinho vai transformando-se em brasas que me
acompanham ao longo de todo o serão, que não raras vezes se prolonga até altas
horas da madrugada.
O som do lume a atacar o madeiro,
é a única vocalização que adormece os neurónios, transportando-me para um nível
de consciência assimptótica da inconsciência. A realidade confunde-se com o
sonho. E muitas vezes saio dessa estranha letargia com dúvidas acerca do que
foi sonhado, lido ou reanalisado mentalmente.
As notícias dos factos ocorridos
no mundo, com realce para as práticas selvagens, primitivas e animalescas do
bicho Homem que mata, rouba e engana, misturam-se com outras onde é realçado o
lado humano, solidário e afectuoso do mesmo bicho.
A publicidade ao consumo
desregrado de bens inúteis, surge no cérebro ao mesmo tempo que os apelos a um
regresso às origens infanto-juvenis em que o idealismo, a ingenuidade e a
capacidade sonhadora se revelam.
O lado bom e o lado mau. O bem e o
mal. As metamorfoses do Homem, que, num momento acaricia uma criança, para no
momento seguinte, agredir outra.
Que num momento cria escolas e a
seguir explora o trabalho infantil.
Que num momento desenvolve
tecnologias capazes de lhe facilitar o trabalho e promover o bem estar e noutro
momento promove a destruição rápida ou lenta de pessoas, instalações e em
muitos casos degrada os oceanos, a atmosfera e a crosta terrestre.
O homem que sob a capa vermelha de
um S. Nicolau, de um St. Claus, de um Papa Noel, ou simplesmente Pai Natal,
distribui presentes que fazem sonhar os olhos de milhões de crianças, amputadas
por minas em Angola, crianças que vivem nas ruas de S. Paulo, crianças que
trabalham na Índia e em Portugal, crianças que se prostituem nas Filipinas.
O Homem que se distingue dos
outros animais pela sua capacidade de pensar inteligentemente, evoluiu desde os
tempos pré-históricos. Mas conservou em si mesmo essa dualidade do bem e do
mal.
É tempo de Natal. Frio, como frios
são os Homens. No entanto é tempo de fogo na lareira, que noutros tempos
primitivos consubstanciava a sobrevivência.
Entre o frio e o calor da
fogueira, entre o bem e o mal, venha o Pai Natal e faça-me sonhar...
Zé de Nisa – “Jornal de Nisa” –nº 23 –
23/12/1998