É um fim de ano triste, dramático e profundamente doloroso para as famílias e amigos dos cinco jovens alentejanos que num curto espaço de tempo, em Grândola e em Nisa, perderam a vida em acidentes de viação. Numa região já de si deprimida e vazia de oportunidades para a juventude que procura criar aqui alicerces de futuro, ver desaparecer, assim, do pé para a mão, pessoas ainda novas e com o sorriso da esperança a inundar-lhes o rosto, dói. Dilacera. Fere, magoa-nos a alma e lança-nos o desafio de nos interrogarmos. Como é possível? O que oferecemos aos nossos jovens? Com que esperanças os alimentamos? O que fazer? Desistimos?
Não encontrei melhor resposta do que aquela publicada, há uns bons anos, no "Jornal de Nisa" em "Coisas da Vida", um acervo de crónicas que mantém uma actualidade gritante e escritas com o saber de experiência feito pela Drª Sofia Tello Gonçalves e que aqui vos deixo, como mote para reflexão e de homenagem ao Marco e ao Nuno, e aos jovens de Grândola, cujas vidas foram, tragicamente, ceifadas.
Posso
dizer que sou uma apreciadora de música, sem um tipo de música específico,
adepta de vários estilos, desde que com qualidade. Boss Ac é um dos fenómenos
do Hip-Hop português, tendo inclusivamente sido já nomeado para a categoria de
Best Portuguese Act nos MTV Europe Music Awards. Boss Ac transmite mensagens em
algumas das suas canções, que, devido ao ritmo da batida, passam por vezes
despercebidas. Apercebi-me disso, há pouco tempo, ao ouvir o álbum “Ritmo, Amor
e Palavras” (RAP), que me foi apresentado por uma amiga que eu desconhecia
apreciadora de Hip-Hop. Fiquei surpresa ao constatar que determinados conteúdos
das suas músicas difundem algo mais do que meras palavras sem sentido, envoltas
na cadência de um qualquer compasso improvisado numa mesa de mistura.
Convenhamos, muitos estilos musicais, são por vezes alvo de comentários
depreciativos por parte de pessoas que, se calhar, nunca ouviram nem uma
música, mas são logo rotulados, apenas por serem associados a um determinado
estilo. Encontrei neste álbum (RAP) uma conversa com Deus, onde são colocadas
diversas questões que nos assolam ao espírito e que dificilmente conseguimos
formular. É essa conversa, a letra da música intitulada Que Deus?, que pretendo
agora partilhar convosco e, eventualmente, surpreender alguém, como me
surpreendeu a mim.
Quem
quer que sejas, onde quer que estejas/. Diz-me se é este o mundo que desejas/.
Homens rezam, acreditam, morrem por ti/. Dizem que estás em todo o lado mas não
sei se já te vi/. Vejo tanta dor no mundo pergunto-me se existes/. Onde está a
tua alegria neste mundo de homens tristes/.Se ensinas o bem porque é que somos
maus por natureza?/ Se tudo podes porque é que não vejo comida à minha mesa?/ Perdoa-me as dúvidas, tenho que perguntar/. Se sou teu filho e tu amas-me, porque
é que me fazes chorar?/ Ninguém tem a verdade o que sabemos são palpites/. Se
sangue é derramado em teu nome é porque o permites?/ Se me destes olhos porque é
que não vejo nada?/ Se sou feito à tua imagem porque é que durmo na calçada?/ Será que pedir a paz entre os homens é pedir demais?/ Porque é que sou
discriminado se somos todos iguais?/ Porquê que os Homens se comportam como
irracionais?/ Porquê que guerras, doenças matam cada vez mais?/ Porquê que a Paz
não passa de ilusão?/ Como pode o Homem amar com armas na mão?/ Porquê?/ Peço
perdão pelas perguntas que tem que ser feitas/. E se eu escolher o meu caminho,
será que me aceitas?/ Quem és tu?/ Onde estás?/ O que fazes?/ Não sei/. Eu acredito
é na Paz e no Amor/. Por favor não deixes o mal entrar no meu coração/. Dou por
mim a chamar o teu nome em horas de aflição/. Mas tens tantos nomes, és Rei de
tantos tronos/. E se o Homem nasce livre porque é que é alguns são donos?/ Quem
inventou o ódio, quem foi que inventou a guerra?/ Às vezes acho que o inferno é
um lugar aqui na Terra./ Não deixes crianças sofrer pelos adultos/. Os pecados
são os mesmos o que muda são os cultos/. Dizem que ensinaste o Homem a fazer o
bem/. Mas no livro que escreveste cada um só leu o que lhe convém/. Passo noites
em branco quase sem dormir a pensar/. Tantas perguntas, tanta coisa por
explicar/. Interrogo-me, penso no destino que me deste/. E tudo que acontece é
porque tu assim quiseste/. Porque é que me pões de luto e me levas quem eu amo?/ Será que essa é a justiça pela qual eu tanto reclamo?/ Será que só percebemos
quando chegar a nossa altura?/ Se calhar desse lado está a felicidade mais pura./ Mas se nada fiz, nada tenho a temer/. A morte não me assusta o que me assusta é
a forma de morrer/. Quanto mais tento aprender, mais sei que nada sei/. Quanto
mais chamo o teu nome menos entendo o que te chamei/. Por mais respostas que
tenha a dúvida é maior/. Quero aprender com os meus defeitos, acordar um homem
melhor/. Respeito o meu próximo para que ele me respeite a mim/. Penso na origem
de tudo e penso como será o fim/. A morte é o fim ou é um novo amanhecer?/
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Licenciada em Serviço
Social e Mestre em Saúde Pública