A carta do Governador Civil de Portalegre (capitão Ricardo Vaz Monteiro) enviada ao Ministro do Interior em 5 de Outubro de 1933 é um documento que retrata os tempos de Ditadura e da repressão instituída pelo Estado Novo, em 1926, contra todos os cidadãos que não simpatizassem com o regime ditatorial.
Os factos descritos na carta dão conta de uma manifestação comemorativa da Implantação da República, no dia 5 de Outubro em Portalegre, iniciativa da Banda Popular daquela cidade, que o Governador Civil identificava como "filiados no Partido Republicano". Este facto não será alheio à repressão que, em determinado momento, se desencadeou contra alguns elementos que acompanhavam a manifestação, identificados e detidos, arbitrariamente, pela Polícia, sendo enviados para Lisboa, no dia seguinte, com destino à Polícia de Vigilância e Defesa do Estado ( a "mãe" da PIDE) sem qualquer acusação e direito de defesa. A carta, escrita por um oficial do Exército, é, em si mesma, um documento contraditório e que bem poderia servir como defesa de todos aqueles que nesse dia foram detidos. Refira-se que na mensagem enviada ao Ministro do Interior, não se menciona os nomes dos presos, prática, aliás, vulgar, nos regimes ditatoriais e que tanto poderia ser utilizado para negar a prisão ou para aumentar os dias ( e meses) de detenção.
Refira-se, como curiosidade, que Ricardo Vaz Monteiro tem o seu nome numa das ruas da vila. O "célebre" Tenente Falcão, seu amigo e presidente da Comissão Administrativa do Município de Nisa no início dos anos trinta do século passado, fez aprovar uma proposta de alteração ao nome da antiga Rua de S. Pedro, artéria que liga a Praça do Município à rua Dr. Manuel de Arriaga. Tudo em agradecimento (eu diria em troca) por Vaz Monteiro, enquanto Governador Civil, ter arranjado umas verbas para algumas obras no concelho, num período de grande falta de trabalho. Mais não foi preciso...
Carta ao Ministro do Interior
" Tenho a honra de comunicar a Vª Exª o que hoje sucedeu nesta
cidade.
Os componentes da Banda Popular são filiados no partido
Republicano Português.
A banda pelas 20 horas de hoje percorreu as ruas da cidade,
a tocar, em sinal de regozijo pela festividade do dia.
Não se fazia acompanhar de elementos directivos da comissão
distrital do seu partido, como sucedeu nos anos anteriores.
Juntaram-se-lhe garotos, desordeiros, e outros elementos
nada simpatizantes com o Estado Novo.
Em certa altura do percurso ouviram-se “morras à ditadura” e
“morras ao governo da ditadura”, segundo me informaram.
Corri para a multidão dos manifestantes e tive ocasião de
observar que Francisco de Sousa Gomes,
xxxxx ao poder paternal, e desordeiro conhecido da polícia, que ainda
hoje por ela fora preso por se envolver em desordem, congestionado, dera vivas à
liberdade, à democracia, à República, não voltando a dar morras ao governo e à
Ditadura, ao pressentir a minha presença e a do comandante da Polícia que me
acompanhava.. Mas percebi que os gritos subversivos se haviam proferido, porque
todos aconselhava os exaltados a mudar de atitude.
A polícia capturou-os, seguindo as instruções do seu
comandante, e não usou de outros meios de repressão imediata atendendo á
solenidade do dia, e procurando evitar que os nossos inimigos pudessem dizer:
“ não nos permitem festejar o dia 5 de Outubro, tal é o espírito
anti-republicano da Ditadura”.
A manifestação efectivou-se e não foi impedida pela polícia.
Mas os precários terão de sofrer o castigo correspondente à
sua atitude subversiva para não se repetirem os “morras” e prestigiar a
Ditadura por uma actuação enérgica, sem exageros escusados.
Tomei a deliberação de enviar os presos para Lisboa no próximo
comboio.
Telefonei à Polícia de Vigilância e Defesa do Estado
pedindo-lhe para esperarem os presos na estação do Rossio no comboio do leste às
15h e 10m do dia 6.
Houve um soldado do Grupo Misto Independente de Artilharia
de Montanha nº 14 que se associou aos gritos subversivos e tentou impedir que a
polícia efectuasse uma prisão.
O Comandante da Polícia comunica este facto, amanhã, ao
Sub-Comandante Militar.
A multidão dispersou em ordem ao chegar à sede da Banda
Popular.
Há socego absoluto.
A Companhia da GNR está de prevenção no quartel.
A Polícia reforçou a esquadra do Governo Civil.
Cumprimentos respeitosos e protestos da mais elevada
consideração apresento a Vossa Excelência.
Portalegre, 5 de Outubro de 1933
O Governador Civil
Ricardo Vaz Monteiro – Cap.