Grupos locais estão a remarcar o antigo percurso da Idade
Média. Os peregrinos estão a optar por este Caminho do Interior por ser mais
tranquilo e rural
A BEIRA INTERIOR volta a integrar o mapa de itinerários
pedestres rumo a Santiago de Compostela com a marcação do percurso que foi
abandonado ao longo do tempo desde Tavira até Chaves. O desaparecimento de
pontos de apoio, como albergues, sinalética, falta de limpeza dos percursos,
explica em parte o desaparecimento deste antigo Caminho Interior Português de
Santiago, que se encontrava ligado por uma importante estrada, paralela à
fronteira, que se estendia desde Viseu até Évora, ligando no seu percurso a
Covilhã, Castelo Branco, Nisa, Alpalhão, Crato, Alter do Chão, Fronteira,
Estremoz e Évoramonte.
Nos finais dos anos 90 um grupo de peregrinos alemães
aventurou-se nesta antiga rota desde Tavira até Trás-os-Montes e ficou com as
melhores impressões do território. Um deles elaborou e divulgou um guia que tem
sido utilizado por outros peregrinos que procuram “territórios virgens”, com
menos afluxo de pessoas. Durante o ano de 2015 na Oficina de Peregrinaciones da
Catedral de Santiago de Compostela foram recebidos 262.379 peregrinos.
Anos mais tarde, alguns peregrinos com residência no
interior, associações de âmbito cultural e religioso, decidiram arregaçar as
mangas para retomar a sinalização do antigo caminho português.
O pontapé de saída foi feito pelo município de Belmonte,
em 2011, aproveitando o facto de a vila ser já um lugar de passagem para os
peregrinos que caminham desde Mérida (Espanha) para Santiago de Compostela. O
trabalho desenvolvido por Elisabete Robalo, arqueológa e entusiasta dos
Caminhos de Santiago, ajudou a despertar consciências locais para a importância
deste projeto.
Entre Monte do Bispo e Belmonte foram colocadas as
tradicionais setas amarelas que são a sinalética oficial do Caminho de
Santiago.
No Fundão, Pedro Ribeiro, em colaboração com a Associação
do Caminho do Este de Portugal (Tavira - Santiago de Compostela), Câmara do
Fundão e vários outros organismos oficiais dos Caminhos de Santiago, propôs a
marcação do caminho no território fundanense em 2009.
“Como não há relatos do antigo caminho, foi seguido um
percurso perpendicular à Nacional 18, porque os peregrinos devem ser afastados,
sempre que possível, das estradas, deve-se privilegiar os percursos com
passagem no património natural e cultural”, explica Pedro Ribeiro. No Fundão o
caminho tem 40 quilómetros ,
está marcado desde a Lardosa até ao Ferro na Covilhã, com passagens em Castelo Novo ,
Alcongosta, cidade do Fundão, Valverde e Peroviseu. O apoio logístico foi outra
das preocupações de Pedro Ribeiro.
“O posto de Turismo do Fundão está apto a
prestar informações, como e onde dormir. Existem unidades de alojamento que
praticam descontos. Basta para isso apresentar a credencial do peregrino de
Santiago. O Fundão é o ponto na região onde podem ser adquiridas credenciais do
peregrino, onde são aplicados os carimbos que atestam a realização do caminho e
os locais por onde o peregrino passou. Esta autorização emanada pela Associação
Espaço Jacobeus está confiada a Pedro Ribeiro. A entrega da credencial que
prova a realização no mínimo de cem quilómetros feitos a pé, cavalo ou de
bicicleta na Oficina do Peregrino em Santiago de Compostela dá direito à
Compostela, diploma da realização do caminho.
A sinalética do caminho prossegue em território
covilhanense até à Guarda, embora com alguns troços em falta. Depois da
Guarda, o trajeto está sinalizado por Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo, Foz
Coa, Mirandela, Valpaços e Chaves.
Pela mesma altura, a sul do distrito, em Nisa, concelho
do norte alentejano que faz fronteira com Vila Velha de Ródão, também se punha
mãos à obra. Sérgio Cebola efectuou em 2007 com alguns amigos, um caminho desde
Nisa a Santiago de Compostela. De lá para cá, o grupo de Nisa, com o apoio da
Câmara, estudou o percurso dentro do município. “O Caminho privilegia áreas
rurais, existe apenas um pequeno troço que coincide com a Estrada Nacional 18
mas que pretendemos corrigir muito em breve”, refere Sérgio Cebola.
No norte alentejo o caminho vem desde Nisa, Crato, Alter
do Chão, Fronteira. No concelho de Estremoz e Sousel também estão a fazer-se
esforços para entrar na rota.
O apoio dos municípios à constituição e funcionamento de
associações locais de “amigos do caminho” ou a delegações de associações
nacionais é uma forma eficaz de criar grupos motivados para a conservação,
manutenção e divulgação do caminho. É o caso de Castelo Branco. A Confraria dos
Caminhos de Santiago, constituída por um grupo de peregrinos albicastrenses,
remarcou o caminho em território concelhio, sinalizando desta vez a passagem na
área urbana. “Tínhamos marcado o caminho há uns anos mas com o tempo a tinta
foi-se apagando. A sinalização requer manutenção e limpeza do percurso”,
explica Joaquim Branco, que entende ser esta uma tarefa que poderia ser
confiada às Juntas de Freguesia “porque têm meios e equipamentos para isso”. No
concelho de Castelo Branco as 600 setas amarelas, desenhadas por Carlos Matos,
recolocadas indicam a trajectória até ao concelho do Fundão, desde os Amarelos,
em Vila Velha
de Ródão, cerca de 34
quilómetros no total.
No ano passado, dados apurados por Sérgio Cebola, de
Nisa, com base no número de carimbagem nas credenciais, passaram pelo Caminho
do Interior 34 peregrinos. “Acreditamos que vai aumentar. Os peregrinos estão a
querer“desviar-se” da Vía da Plata, um percurso mais duro, num território mais
despovoado, com temperaturas altas. O interior de Portugal oferece mais
frescura, mais ruralidade”, refere.
Foi essa a razão que levou Hélder Cabral, de 67 anos, a
optar por este Caminho “a nascer” no interior do país. Partiu de Tavira em
direção a Chaves para executar um projeto próprio de percorrer cinco mil
quilómetros a pé.
Já treinado em Caminhos de Santiago pelo mundo inteiro, a
passagem pelas Beiras com uma amiga de longa data, também ela peregrina de
Santiago, marcou de forma muito especial a dupla. “As pessoas são de uma
entrega extraordinária. Perguntavam-nos se éramos peregrinos a Fátima,
explicava-mos que não, ofereciam-nos comida ou dormida. Tocou-nos muito”. A
companheira de viagem, Maria Marques Pereira, de 62 anos, ficou apaixonada pela
região, agora com outros olhos. “ Aquela chegada às Portas de Ródão, a vista
sobre a Cova da Beira, são imagens inesquecíveis. A região tem muito para dar
aos Caminhos de Santiago, oxalá que sim”. Para isso, referem, “é preciso que o
caminho seja todo ele sinalizado, sem interrupções. Tínhamos um GPS, o nosso
objetivo era o de pernoitar nos quartéis de bombeiros, caso contrário, seguindo
só pelas setas seria impossível conseguirmo-nos orientar”, observam.
A divulgação deste Caminho pelo Interior deverá implicar a colaboração de todos os municípios envolvidos. A Associação Via Lusitana, a mais representativa dos peregrinos portugueses, diz ser importante a marcação do Caminho do Interior, contudo o trabalho não se esgota aqui. “Não faz sentido publicitar um Caminho com interrupções”, diz José Luís Sanches. A Câmara da Nisa e a do Fundão têm folhetos preparados para distribuição, correspondendo os troços concelhios. Só este trabalho não chega...
A divulgação deste Caminho pelo Interior deverá implicar a colaboração de todos os municípios envolvidos. A Associação Via Lusitana, a mais representativa dos peregrinos portugueses, diz ser importante a marcação do Caminho do Interior, contudo o trabalho não se esgota aqui. “Não faz sentido publicitar um Caminho com interrupções”, diz José Luís Sanches. A Câmara da Nisa e a do Fundão têm folhetos preparados para distribuição, correspondendo os troços concelhios. Só este trabalho não chega...
in "Jornal do Fundão" - 7/4/2016