19.3.14

TRADIÇÃO ORAL: As Alcunhas de Nisa (10)


Porém, uma esperança, ainda temos,
Quando, um dia, isto mudar;
Não veremos certas coisas que vemos,
E que temos d´ouvir, sem bufar.

Quem tem figueiras, tem figos,
Quem não trabalha, dizem: é mandrião!
Se há dinheiro, há amigos,
De Peniche, alguns o são.

Anda o proprietário assustado,
Por causa d´um certo escr´avelho;
Vou passar a estar calado,
Não quero n´isto meter o bedêlho.

Foi coveiro o Badanela,
Que enterrou muita gente;
Foi forneiro um tal Sovela,
Que não gostava de pão quente.

Não me chamem maldizente,
Pois digo aqui muita verdade;
Dil-o por ahi muita gente,
Que, de dizer mais, tem vontade.

Muita Paciência é preciso,
Pr´a ser diferente de um Camões;
Muito custa fazer versos
Quando chove e há trovões.

O Carrajola e o Bagina,
Foram a uma patuscada;
Pr´a provar a boa pinga,
Foi convidado o Rata-Pelláda.

Esgotaram o Garrafão,
E um d´elles ficou tão borracho;
Que foi preciso vir o Parrácho,
Que dizem ser d´Alpalhão.

Andam muitas coisas mudadas,
Como se tem observado;
Mas... d´as taes Horas Minguadas,
É que é d´a gente ficar pasmado.

Se isto passa a ser uso,
O que virá a dar-se, não sei;
É urgente acabar com tal abuso,
Pr´a que um e outro, não façam lei.

Já se vai ouvindo a Poupa,
D´aqui a pouco se ouve a Rollinha;
Já se pode lavar bem a roupa,
Pode a gente andar limpinha.

Já da honra se faz comércio,

Como se fosse artigo de tenda;
Pr´a sustentar vaidade e luxo,
Muita fêmea há que se venda.

Pedia, d´antes, o pobre ao ricaço,
Hoje o contrário d´isto sucede;
Vê-se isto a cada passo,
É o rico que ao pobre pede.

Parece estar agora na moda,
Pr´a qualquer coisa pedinchar;
Se lhes sahisse a sorte grande,
Ninguém os podia aturar.

Pede-se pr´ó Capacete,
E pr´a festa da Flor;
Pr´os tuberculosos e cancerosos,
E sempre se dá, sem clamor.

Pr´a tudo há subscripções,
Pr´o Hospital, pr´a cruzada;
Pr´os Padres das Missões,
E pr´a outros que não dão nada.