Inspeção do Trabalho não cumpre lei do trabalho
" A Autoridade para as Condições do Trabalho, antiga inspeção
do trabalho, não disponibiliza medicina do trabalho para os seus 800
funcionários. Concurso está previsto mas ainda não avançou.
O organismo do Estado que zela pela aplicação das leis
laborais não está a cumprir a legislação que ele próprio fiscaliza. Os mais de
800 funcionários da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) não dispõem
de medicina do trabalho, obrigatória desde 2008. O sindicato do sector
apresentou queixa ao provedor de Justiça.
"A ACT não está a cumprir a lei e, apesar disso, não se
inibe de multar as empresas por situações idênticas. Tudo isto é
caricato", diz Luís Esteves, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas
e Sociais do Sul e Regiões Autónomas. "Não cumprem a legislação que
fiscalizam quando deveriam ser os primeiros a dar o exemplo. É
inconcebível", acrescenta am declarações ao Expresso.
A inexistência de medicina do trabalho numa pequena empresa
pode dar origem à aplicação de uma coima, cujo valor mínimo ascende a dois mil
euros.
Fonte da ACT reconhece que o incumprimento da lei se arrasta
há vários anos e diz estar previsto o lançamento de um concurso para
contratação de uma empresa prestadora de serviços nesta área. O problema é que
ninguém sabe quando é que o concurso será lançado, nem se a Secretaria de
Estado da Administração Pública autorizará a despesa, tanto mais que a ACT está
muito longe de ser o único serviço do Estado sem medicina do trabalho.
"A regra é não ter", refere Luís Esteves,
apontando a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o Instituto de Emprego e
Formação Profissional (IEFP) como exceções. Só no Instituto da Segurança Social
(ISS) existirão cerca de 9000 funcionários, muitos deles a executarem tarefas
de "grande desgaste", sem qualquer tipo de acompanhamento médico no
posto de trabalho.
Entre as situações mais graves está a dos trabalhadores que
se encontram nos serviços de atendimento da Segurança Social e que são muitas
vezes o "alvo da frustração e injustiça sentida pelos utentes".
O sindicato diz que a pressão por parte dos beneficiários de
apoio social - "casos desesperados, nomeadamente os relacionados com o
Rendimento Social de Inserção e desemprego" - conjugada com o aumento do
horário para oito horas diárias, provoca "tensões" permanentes e
sujeita os funcionários a "altíssimos" ritmos de trabalho.
"Estes trabalhadores deveriam ser ciclicamente
avaliados para aferir do desgaste psíquico decorrente destas funções, a fim de
determinar se a sua continuação neste tipo de atendimento presencial, altamente
desgastante, não os levará a contrair doenças profissionais", refere a
queixa apresentada ao provedor de Justiça, José de Faria Costa, onde são
denunciados outros casos de "incumprimento".
Entre estes inclui-se a Casa Pia de Lisboa, cujos
trabalhadores "convivem com uma população jovem de famílias carenciadas,
acarretando este facto mais desgaste físico e emocional".
Além disso, alguns funcionários exercem a sua atividade por
turnos e outros fazem-no durante a noite, o que de acordo com a lei obriga a
entidade empregadora a assegurar que o trabalhador "antes da sua
colocação, e posteriormente, a intervalos regulares e no mínimo anualmente,
beneficie de um exame médico gratuito e sigiloso destinado a avaliar o seu
estado de saúde".
"Nem os trabalhadores noturnos, nem os trabalhadores
por turnos e nem os restantes trabalhadores têm alguma proteção nesta
área", acrescenta a queixa, onde é pedida a intervenção do Provedor de
Justiça para "repor" a legalidade: "Repetem os sucessivos governos
que deve existir uma harmonização laboral entre o sector público e privado mas
quando é necessário tomar medidas, nomeadamente de prevenção na saúde dos
trabalhadores, nada avança".
A existência de medicina do trabalho nos serviços do Estado
tornou-se obrigatória há seis anos com a aprovação do Regime do Contrato de
Trabalho em Funções
Públicas (Lei 59/2008), onde se refere que a entidade
empregadora pública "é obrigada a organizar as atividades de segurança,
higiene e saúde no trabalho que visem a prevenção de riscos profissionais e a
promoção da saúde do trabalhador" e se institui a "realização de
exames de saúde, tendo em vista verificar a aptidão física e psíquica do
trabalhador para o exercício da atividade".
A fiscalização do cumprimento da normas fica entregue
"ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área
laboral, sem prejuízo de competência fiscalizadora específica atribuída a
outras entidades"como o ACT, justamente um dos serviços que não cumpre a
lei."