Dissertação, breve, sobre cinema, tendo à mão "a
chave"
Há três géneros cinematográficos que não gosto!
A saber:
Gangster's e mafiosos. Não gosto destes filmes porque me
perco ao fim de meia dúzia de minutos. São tantos tiros, tantas mortes que a
cenas tantas já não sei quem é pelo Al Capone ou quem dispara em favor de Meyer Lansky. Muito menos pela polícia, porque estes são por todos.
Mais uma coisa que me aborrece, é que nesses tempos
gloriosos dos filmes série b, os gangster's, apesar de terem na mão polícias,
procuradores, juízes, políticos, gentes das finanças, acabavam sempre presos ou
mortos, hoje não com a agravante dos gansters ocuparem lugares de controlo no
aparelho de estado, nas magistraturas, nas forças de segurança e nas grandes
empresas privadas, daí que ao contrário de outros tempos, não são mortos nem
presos.
Os western's tipo John Wayne de lencinho ao pescoço, armado
em mariconço, atirando a torto e a direito contra os peles vermelhas, umas
gentes cabeludas, com penas de peru ou pavão nas cabeças, parecidos com grupos
de junkies dirigindo-se a Woodstock mas sendo massacrados pelo tea party
direitista republicano intolerante.
Aqui, o final é de previsibilidade absoluta, os tipos
amaricados de lencinho ao pescoço ganham sempre por uma abada e os pobres peles
vermelhas nem no cinema tem a sua hipótese de vitória.
Finalmente, o terceiro género de filme que suporto a custo,
é o terror. É sangueira (tomatada) a mais. Violência indiscriminada e sempre
praticada por pobres patetas atrasados mentais, pretos, estrangeiros em geral,
deficientes, resumindo, por alguém portador de algo que o torna diferente do
comum e do que é aceite.
Também aqui o mistério é facilmente resolúvel, o culpado é
sempre a ovelha negra que se destaca de dentro do branco rebanho.
Depois há filmes que nem sim nem não, nem sei porquê.
Também não descortinando os porquês, há filmes dos quais
gosto. Gosto alguma coisa, gosto um pouco mais ou menos ou gosto bastante.
Mas não sei porquê. Pode ser por tudo ou por nada. Ou o nada
que é tudo, do Pessoa, ou do Campos, ou do Caeiro. Que chato era este vários
gajos.
Nesta categoria dos remediados que eu gosto, encontro a
curta do Marco Laureano, "A chave".
Depois de ver o filme, vi o óbvio: todos quando nascemos
trazemos dentro de nós uma chave, a chave que nos permite ou não, abrir as
portas da existência. E é esse motivo que nos mantém vivos, pois caso
contrário, à primeira oportunidade matávamos-nos isto é, se o sentido da vida
fosse apenas a marcha para a morte. Andaríamos todos, o mais depressa possível,
a caminho do mar para descobrirmos que não temos guelras nem barbatanas como os
peixes, ou em alternativa, atiramos-nos das janelas, dos nossos apartamentos
altos de citadinos apenas para descobrirmos que não somos dotados de asas como
as aves.
A melhor maneira de admirar "a chave" é pegar numa
lata de coca-cola, daquela a sério cheia de calorias e açúcar como o caralho,
um cachorro daqueles com salsichas enormes e grossas, a vazar mostarda e na
outra mão um cartucho de pipocas. Pode-se equilibrar a lata num dos joelhos,
and let's go to the trailer.
"A chave", ouve-se o grito convicto do realizador
"ação!", bem, a convicção é mais uma questão de fé. Mas também, como
se sabe, tudo isto, nós, o governo da nação e até, imagine-se o filme, tudo,
está dependente da termodinâmica dos fluidos.
Uma vassoura, o quanto baste à mão, aconselha-se vivamente,
não iremos virar mestre com a sua marguerita. O que já não desejo nem aos
piores inimigos é que se apaixonem pela Lolita, nos dias que correm sujeitavam-se
a julgamento por pedofilia.
Não queria falar de sexo, mas já que a conversa /escrita,
me trouxe para aqui, não poderia deixar de usar esta chave e abrir a porta.
Nunca conheci nenhum realizador, pessoalmente falando, e
tenho esta chave por desvendar, isto que por aí se ouve de que os realizadores
papam as atrizes, pelo menos as melhores é verdade? A sê-lo, eh pá. Isso é que
é cá uma ganda chave. Eu, por mim, contentava-me com as figuras secundárias,
mesmo algo feias, grandes e gordas.
A cada qual a sua psicose, ou com a unha coça a micose.
Já nos créditos, somos brindados com uma fantástica chave
musical para fechar com chave d'ouro.
Mas entre o grito de ação e a espetacular música final, há
uma chave para achar, para desvendar, ou para utilizar.
Essa é a tal chave que cada ser humano traz em si e tem que
descobrir. Não só a chave mas como e onde utilizá-la: no amor, na vida ou na
morte, no ramerrame dos dias comuns, numa inesperada e insólita onda de
genialidade criativa.
Que o cinema dê a cada um a sua chave.
Jaime Crespo