6.3.14

CRÓNICAS DO REGABOFE (30): Murakami novamente? Não! De novo


“Underground”, de Haruki Murakami
Confesso que gosto deste escritor. Por isso volto a uma das suas obras. Ou será mais correto afirmar que regresso a ele? Mas seja como for neste caso não se trata de mais do mesmo.
Aqui não temos o japonês cosmopolita que ouve o mesmo jazz e a mesma música clássica que nós. Imagine-se, até se delicia com elegantes e redondas chávenas de café cheiroso, cremoso, forte. Mantendo no entanto o quanto baste de áurea exótica para não ser totalmente como nós mas o bastante para o trazer por casa sem dar muito nas vistas e mantendo toda a gracinha.
Murakami, felizmente não é desses nem se dá a muitas concessões. Limita-se a ser como gosta, o que para ele deve ser descansadamente ótimo. Quanto ao resto, humano. Tal como qualquer um anseia ser em vez de salamandra esses bichinhos viscosos.
Escreve bem. Escreve mesmo muito bem. E isso atrai-me deliciosamente. como às drogas irresistíveis. Fatal como o destino.
Ora neste livro encontramos um Murakami puramente japonês (o que é isso?) longe de mim tal blasfémia que sei que os artistas o são simplesmente. Do mundo.
Mas encontramo-nos com um Japão servido a sangue frio (in Cold Blood) sem margem para respirar fundo o ar mais quente.

Na sequência dos atentados com gás sarin, no metro de Tóquio, a 20 de março de 1995, Haruki Murakami entrevista muitas das vítimas. Aquelas que se lhe disponibilizaram. E é esse relato, das vitimas, a seco que este livro contém.
Mais que o Japão ou japoneses do nosso catálogo de preconceitos ocidentais, ou das ideias pré-feitas orientais, é o Japão lugar também ele de seres humanos e de humanidade. É o ser humano em toda a dimensão do seu esplendor, para o bem ou mal, na alegria ou tristeza, na solidariedade e na vileza… que aqui nos é apresentado.
É servido a seco.
E como um martini também deve ser consumido em pequenos golos, lentamente, saboreando, deixando-nos invadir pelo prazer.
Não é uma metáfora é uma radiografia física e psíquica e da alma do homem.
Mais que mais um grande livro obra de arte é de uma exposição nua da humanidade de que se trata.
 p.s.: não sei explicar porquê mas acho que os realizadores das Cartas de Iwo Jima leram este livro.
Jaime Crespo