“Underground”, de Haruki Murakami
Confesso que gosto deste escritor. Por isso volto a uma das
suas obras. Ou será mais correto afirmar que regresso a ele? Mas seja como for
neste caso não se trata de mais do mesmo.
Aqui não temos o japonês cosmopolita que ouve o mesmo jazz e
a mesma música clássica que nós. Imagine-se, até se delicia com elegantes e
redondas chávenas de café cheiroso, cremoso, forte. Mantendo no entanto o
quanto baste de áurea exótica para não ser totalmente como nós mas o bastante
para o trazer por casa sem dar muito nas vistas e mantendo toda a gracinha.
Murakami, felizmente não é desses nem se dá a muitas
concessões. Limita-se a ser como gosta, o que para ele deve ser descansadamente
ótimo. Quanto ao resto, humano. Tal como qualquer um anseia ser em vez de
salamandra esses bichinhos viscosos.
Escreve bem. Escreve mesmo muito bem. E isso atrai-me
deliciosamente. como às drogas irresistíveis. Fatal como o destino.
Ora neste livro encontramos um Murakami puramente japonês (o
que é isso?) longe de mim tal blasfémia que sei que os artistas o são
simplesmente. Do mundo.
Mas encontramo-nos com um Japão servido a sangue frio (in Cold Blood) sem margem para respirar fundo o ar mais quente.
Na sequência dos atentados com gás sarin, no metro de Tóquio, a 20 de março de 1995, Haruki Murakami entrevista muitas das vítimas. Aquelas que se lhe disponibilizaram. E é esse relato, das vitimas, a seco que
este livro contém.
Mais que o Japão ou japoneses do nosso catálogo de
preconceitos ocidentais, ou das ideias pré-feitas orientais, é o Japão lugar
também ele de seres humanos e de humanidade. É o ser humano em toda a dimensão
do seu esplendor, para o bem ou mal, na alegria ou tristeza, na solidariedade e
na vileza… que aqui nos é apresentado.
É servido a seco.
E como um martini também deve ser consumido em pequenos
golos, lentamente, saboreando, deixando-nos invadir pelo prazer.
Não é uma metáfora é uma radiografia física e psíquica e da
alma do homem.
Mais que mais um grande livro obra de arte é de uma
exposição nua da humanidade de que se trata.
Jaime Crespo