4.11.11

À FLOR DA PELE: Augusto Pinheiro (1905-1994)

Um naif do sonho e da fantasia
A luz desce
sobre as asas
de uma árvore.

As rosas são bordados luxuriantes
rodeando a morte e a vida
de um vulcão.

O interior, aceso, espreita as margens.
Há canções de desgaste em toda a extensão.
E o dia ficou naquela aura longínqua
com que os dedos estremecem.


A luz desce no emaranhado das viagens
coloridas e entregues
à sofreguidão do visitante.
Poema de João Clemente sobre um quadro de Augusto Pinheiro
Artista que pintava com o coração
Passam hoje, dia 18 de Outubro, dezassete anos sobre a morte de Augusto Dinis Pinheiro, pintor naif, nascido a 22 de Agosto de 1905 na vila de Nisa.
Era comerciante de profissão e começou a pintar aos 66 anos. Participou em 40 exposições colectivas em Portugal e no estrangeiro e realizou 17 individuais.
Aqui e agora, evocamos o homem e o artista – um dos mais consagrados, a nível nacional, na arte naif – lembrando o seu sonho maior, ainda por concretizar: a instalação de um Museu em Nisa, sob o patrocínio da Santa Casa da Misericórdia, instituição onde faleceu e a que doou parte considerável do seu espólio artístico.
O nisense, Carlos Tomás Cebola, lembrou, em 2005, a propósito do centenário do nascimento do pintor, que “Augusto Pinheiro chegou tarde ao fascinante mundo das Artes: ao reino deslumbrante das Formas, das Cores, do Claro-Escuro, da Fantasia: ao fabuloso reino da Pintura.
Só muito tarde (como é triste dizê-lo) o Augusto começou a pintar telas com todas as tonalidades do azul (em fundo), para sobre ele (azul) lançar deuses, homens, aves, insectos, árvores e flores. Muitas flores.
Todas as flores de um mundo só seu e que guardara, durante dezenas de anos, bem fundo, no mais íntimo de si mesmo, envoltas numa atávica evocação das rendas, dos bordados e das cantarinhas pedradas, que a Cultura e a Arte da sua Vila natal haviam arrecadado nele, desde a primeira hora. "
Seria difícil encontrar mais bela e profunda definição sobre a arte naif, uma arte sobre a qual ainda hoje se tecem muitas teorias e se lançam algumas desconfianças.
Arte do encanto e da magia
Na abertura do XXXI Salão Internacional de Pintura Naif, o director da Galeria de Arte do Casino Estoril, dr. Lima Carvalho, diria, a esse propósito:
“ Há por aí quem afirme que a pintura naïf é a pintura dos que não sabem pintar. Nada mais falso. É a pintura de todos quanto pintam como sabem, com ou sem técnica. Vem desde os primórdios da arte rupestre, com carta de alforria, apenas na última década do século XIX, por iniciativa de Henry Rousseau, que Picasso, alguns anos mais tarde apoiaria com entusiasmo.”
Lima de Carvalho, grande amigo e admirador de Augusto Pinheiro, vai mais longe, na caracterização da arte naif.
“As características desta pintura são o encanto e a magia que se aproxima da singeleza e graça da pintura infantil, saída muitas vezes das mãos de rudes artesãos ou de pessoas cultas, que se apaixonaram pela prática desta modalidade pictórica.”
Sobre o pintor nisense, o director da Galeria de Arte do Casino Estoril afirma:
“Quando se iniciou na pintura, Augusto Pinheiro não escolheu escolas ou correntes, linguagens ou formas de expressão. Deu rédeas soltas à sua imaginação e começou a pintar como o seu instinto lhe ditava, com total liberdade e desprendimento das regras da perspectiva ou da composição de que nunca ouvira falar. Com cores primárias e fortes, pondo em destaque os elementos que mais lhe diziam ao gosto e ao coração.
Augusto Pinheiro é um dos mais puros e autênticos "naifs" portugueses, pelo ingenuismo quase infantil dos seus trabalhos, a poesia lírica que ressalta de cada um dos seus quadros, a falta total de perspectiva, a pureza das cores, a originalidade dos temas e soluções. O carinho. O amor.”
Uma referência da pintura naif
Está feito o retrato do pintor, do mundo de sonho e fantasia que o rodeava. Um artista que chegou tarde ao mundo das artes e das formas, mas ainda a tempo de nos legar um notável acervo pictórico, revelador de toda a sua sensibilidade e de um universo de infância, o seu, que no retiro do estúdio ou do quarto passava para as telas.
A sua força criadora e a notável qualidade de cada um dos seus quadros, levaram-no a ser conhecido e admirado através das exposições que realizou em Lisboa (1974/ 77/ 78/ 79 e 81), Madrid (1976), Badajoz (1977), Estoril (1979/ 80/ 81 e 85), Funchal (1979), Viena de Áustria (1979), Castelo Branco (1981), Faro (1981), entre tantas outras, fizeram de Augusto Pinheiro um nome que, hoje, é referência obrigatória, sempre que se fala da Pintura Naif, em Portugal
Augusto Pinheiro está representado nos Museus de Pintura "Naif" de Jaén e Figueras, em Espanha e no Museu de Arte Primitiva Moderna de Guimarães.
Entre os prémios que recebeu referem-se: Menção Honrosa no Salão de Outono 1981; Menção Honrosa no IV Salão Nacional de Pintura "Naif" e Prémio Câmara Municipal de Guimarães no XIV Salão de Pintura "Naif", todos da Galeria de Arte do Casino Estoril.
A atribuição do prémio "Câmara Municipal de Guimarães", a mais alta distinção do "Salão Ibérico de Arte Naif", em Agosto de 1993, representa o reconhecimento por toda uma obra pictórica ao longo de 23 anos, que o levou aos mais distintos salões e galerias de arte, um pouco por toda a Europa.
Recolhido a Nisa, sua terra natal, aqui passou os últimos anos da sua vida, continuando a pintar, já sem o fulgor e clarividência dos tempos áureos da sua obra.
Apesar disso, manteve sempre, até morrer, a lucidez de um desejo, um sonho, um projecto, de que falava com alguma insistência e que não viu concretizado: a instalação de um museu, de uma sala de exposições onde as suas obras e de outros pintores "naifs" pudessem mostrar aos vindouros, a beleza e a perenidade da arte e da cultura.
É este um desejo por cumprir e que às instituições (Misericórdia e Câmara de Nisa) se impõe como um dever indeclinável: o de transmitir para a posteridade, a obra do artista, ajudando a criar um espaço onde os quadros de Augusto Pinheiro, possam ver a luz do dia e passar a mensagem do amor que dedicou à arte, à natureza e, por ela, à vida.
É o mínimo que podemos fazer pela sua memória.
Augusto Pinheiro – Artista e cidadão de Nisa
(Extracto do discurso na Sessão Solene de Homenagem, no dia 20 de Abril de 1987 - Feriado Municipal.)
"Em 20 de Abril de 1987, a Câmara Municipal de Nisa atribuiu ao artista nisense a Medalha de Mérito Municipal (prata), em sessão solene realizada no salão nobre dos Paços do Concelho.
É dessa sessão evocativa e de homenagem a um dos vultos da cultura nisense, que extraímos as palavras que seguem.
“Augusto Pinheiro, comerciante de profissão, viveu até aos 66 anos afastado das tintas e pincéis.
Fazia muitos desenhos para bordados, actividade a que se dedicava sua esposa.
Publicou dois números da revista de bordados "Ponto Real", com muitas flores e ramagens.
Ficava bastante impressionado quando visitava uma exposição de pintura, e com o desejo enorme de começar também a pintar.
Um dia pegou num lápis de cor e papel e fez um lindo desenho. Do papel passou ao pano e começou a fazer um pequeno quadro. Daí em diante nunca mais parou. Em 1970/71 passou pela casa Ferreira a comprar as primeira tintas a óleo, os secantes, e aprendeu a isolar as telas de linho, as quais também são preparados por si.
Dois anos mais tarde, já com os quadros prontos, escreveu ao senhor arquitecto, crítico e pintor Mário de Oliveira, pedindo o favor de passar pelo seu escritório para lhe mostrar umas simples pinturas. Viu, gostou, e o pintor nem queria acreditar, parecia uma criança, pois julgava que tudo aquilo era uma brincadeira sem valor.
Foi o arquitecto Mário de Oliveira que o encaminhou e encorajou para continuar a pintar, pois logo que tivesse duas ou três dezenas de quadros, voltaria a aparecer para seleccionar algumas das suas obras para um dia fazer uma exposição.
E assim foi, esta em Janeiro de 1974, na Galeria de Arte do Diário de Notícias.
Foi o seu primeiro êxito, pois a crítica a considerou como a mais coerente e inventiva. E pela mão daquele conceituado crítico, nesse mesmo ano, foi seleccionado para a exposição da A.I.C.A. (Associação Internacional dos Críticos de Arte), na Sociedade Nacional das Belas Artes, uma das exposições mais exigentes, porquanto é organizada por aquela associação.
A partir desta importante e significativa exposição a carreira artística de Augusto Pinheiro, teve sempre os maiores êxitos.”
(...)”A arte é, sem dúvida, a forma mais positiva de comunicação. O artista erudito comunica uma mensagem; o artista que pratica o Naif não nos oferece essa mensagem, antes pinta como quem conta uma história ou relato emocional da sua personalidade.
É, isto, afinal, que nos tem oferecido Augusto Pinheiro: contar histórias da sua imaginação, cheia de encanto, de pureza e de lirismo.”
Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 2/11/2011