Em Nisa todos a conheciam pela senhora Ana Zacarias ou Ana do Miguel Póvoa. Faleceu no domingo, aos 81 anos de uma vida de trabalho e de inúmeras ocupações.
Amália Rodrigues numa das suas passagens por Nisa, deixou-lhe um postal com dedicatória: “À Ana dos Bolos, dois beijinhos doces”.
Nem a propósito. Doces e bolos, mais estes que aqueles, sempre foram a especialidade da ti Ana Zacarias, em receitas próprias, originais, ou de outra autoria. No que fazia, esmerava-se a preceito. Tão a preceito que Manuel Luís Goucha, num dos seu programas, em directo, ficou rendido aos bolos da ti Ana de Nisa.
Esta foi, no entanto, uma das suas últimas facetas. Mulher dinâmica metia mãos ao trabalho em todas as actividades. O café Nisa Sol, na Estrada das Amoreiras, antes uma taberna e depois transformado em café restaurante, foi um dos primeiros em Nisa.
A estrada nacional entre Lisboa e as Beiras passava ali, ao pé da porta e toda a gente conhecia a ti Ana, tanto como o ti Adelino Rascão, mais abaixo.
Eram casas de comida e quantas vezes de abrigo. Em vésperas de feiras, Nisa fervilhava de gente e ali atracavam pessoas de todas as procedências e condições sociais.
Quantas viagens clandestinas para França não foram combinadas, em sussurro, com os passadores, às mesas do Nisa-Sol, entre um copo e outro para disfarçar e despistar algum “mirone”?
Eram tempos de brasa, de negrume, o silêncio era de ouro, mas havia uma solidariedade, uma cumplicidade tácita, que permitiu que centenas e centenas de nisenses, se fizessem a caminho de França, sem qualquer receio.
Ao quintal da ti Ana Zacarias, recolhiam-se os estudantes do Externato Durões Correia, nos intervalos ou folgas de alguma aula. Jogavam aos matraquilhos e, quantas vezes, esqueciam-se dos professores e dos deveres escolares.
No Verão, a “frota” da casa saia para o trabalho e os rapazes, com os seus carrinhos-fábrica, percorriam as ruas de Nisa, enquanto anunciavam: Quem quer gelados fresquinhos!
Gelados de 3, 5 e 15 tostões. Uma festa, quando se conseguia juntar os tostões e satisfazer o desejo.
Eram actividades sazonais. Noutras épocas do ano, outras ocupações haveriam de surgir. Com muito trabalho, arrojo, determinação e capacidade, a tia Ana conseguiu fazer uma casa. Uma casa e um nome que algumas gerações de nisenses tão depressa não esquecerão: Nisa Sol.
E, por triste ironia do destino, foi num dia cinzento e de chuva, que Ana Curado Melato Zacarias foi a sepultar no cemitério da vila que ela tanto amou. Da vila a que ela tanto se esmerou para fazer brilhar o nome.
Partiu a ti Ana Zacarias, uma figura popular de Nisa, na diversidade do seu carácter, com os altos e baixo que caracterizam a alma humana, mas na bondade do seu espírito.
Que na terra para onde partiste possa sempre brilhar o sol de Nisa. Aquele que tu ajudaste a tornar mais cintilante.
Mário Mendes in "Alto Alentejo" -15/11/2011