11.11.11

SAÚDE: .. E não se pode exterminá-los?

A ULSNA – Unidade de Saúde Local do Norte Alentejano, numa decisão extemporânea e ditatorial do seu Conselho de Administração, decidiu, de uma penada, encerrar 13 Extensões de Saúde em cinco concelhos do distrito: Avis, Campo Maior, Crato, Marvão e Nisa.
O concelho de Nisa é o mais afectado por esta medida, tomada - como seria exequível e indispensável num regime democrático digno desse nome – sem prévia consulta às autarquias envolvidas e, consequentemente, sem se precaver a existência ou não de medidas alternativas.
Tal atitude da ULSNA que contempla ainda a redução dos horários dos Centros de Saúde, que passarão a funcionar aos sábados, domingos e feriados, apenas da parte da manhã, é prepotente e contrária aos valores do Estado de Direito, porque as directrizes emanadas do Ministério da Saúde determinam que sejam “elencadas medidas no sentido da racionalização e controlo das despesas” e não que estas medidas sejam o “cortar a torto e direito” atingindo as populações mais fragilizadas.
Aliás, a circular da ULSNA nem sequer foi dada a conhecer às Juntas de Freguesia cujas Extensões de Saúde foram atingidos por este despacho imoral e prepotente de um Conselho de Administração habituado ao “quero, posso e mando”.
Levantar e fazer cair o cutelo sobre as cabeças das populações idosas, de magros recursos e vivendo longe da cidade, foi a decisão do CA da ULSNA, tomada e justificada, hipocritamente, com o objectivo de “melhorar os cuidados de saúde prestados á população”.
A cumprirem-se as directrizes da ULSNA – e há quem, corajosamente e na defesas das populações e da justiça, as conteste - fechariam as extensões de saúde em 5 freguesias do concelho e que iriam penalizar, fortemente, os utentes de 10 povoações, já de si postergados para o “sótão das inutilidades” após uma vida de trabalho.
A estas medidas “economicistas” vem juntar-se a redução do horário de funcionamento do Centro de Saúde, nos sábados, domingos e feriados.
Os administradores da ULSNA, certamente, não têm a “experiência, própria ou de algum dos seus familiares de passaram dez e mais horas no banco de Urgências do Hospital de Portalegre. Acham que o serviço funciona bem, ao nível de qualquer país africano e por funcionar de forma tão exemplar, querem “entupi-lo” ainda mais, transferindo os doentes de quase todo o distrito para uma unidade hospitalar que rebenta pelas costuras e não dispõe de todos os meios para fazer face a esta autêntica calamidade.

Ao mesmo tempo que pretendem a concentração de serviços de saúde, negam aos utentes, mesmo àqueles a quem, por imperativos económicos, sociais e humanos deveria ser assegurado, o direito ao transporte em ambulâncias, tudo em nome do sacrossanto objectivo de melhoria dos “cuidados de saúde prestados à população”.
Como é que se melhora a prestação de serviços, fechando extensões de saúde, reduzindo horários, negando o transporte, querendo canalizar e centralizar todos os meios complementares de diagnóstico no Hospital de Portalegre, que não dispõe, manifestamente, de capacidade de resposta, em tempo e qualidade?
Que mal fizeram ao país e aos gestores da ULSNA os habitantes de muitas aldeias do concelho de Nisa (e de outros concelhos), a maior parte idosos, alguns residindo a 50 quilómetros de Portalegre, para serem tão mal tratados?
Será esta a recompensa, por parte de serviços ditos públicos - lembro que Portugal tem um Serviço Nacional de Saúde “tendencialmente” gratuito – a quem trabalhou uma vida inteira e se vê no declinar da vida, quando mais precisa de apoio, afecto e carinho, ser assim marginalizado, ferido na sua dignidade, de forma tão brutal e demolidora?
A partir dos anos 20 do século passado, quando as câmaras municipais viviam à míngua de recursos, os cuidados de saúde e a presença do médico em todas as freguesias do concelho estavam assegurados. Não havia estradas, os caminhos eram péssimos, transportes nem era bom sonhar, mas os médicos, os João Semanas deste país, mal pagos, mas com uma dedicação abnegada e humana ao serviço público, não deixavam que as populações, a viver na miséria e com grandes dificuldades, padecessem para além do que era admissível.
Havia humanidade, embora faltassem os gestores hospitalares. Havia sempre uma carroça ou um burro, mais tarde o automóvel, para levar o clínico do “partido médico” da freguesia, a percorrer os caminhos mais íngremes e pedregosos para dar alívio, conforto e ânimo aos doentes. Havia uma constante disponibilidade, de noite ou de dia, a noção e o dever de serviço público, para acudir a quem precisasse, embora não houvesse Conselhos de Administração, nem “frotas automóvel” de topo de gama e muito menos ordenados escandalosos para pagar a quem tão mal nos quer “tratar” da saúde.
Há tempos numa sessão pública de um órgão autárquico, alguém se lembrou da definição do “tratador de maleitas”. Podíamos juntar-lhe a dos “sangradores”, referidos em muitos documentos do século 18.
O mundo evoluiu, as ciências médicas tiveram um desenvolvimento notável a todos os níveis, melhoraram-se as infra-estruturas de saúde, formaram-se mais médicos e especialistas em diversas áreas, mas para o comum dos cidadãos, num país onde a população é, sensivelmente, a mesma de há 20 ou 30 anos atrás, não se percebe como a nível da prestação dos cuidados de saúde estejamos a regredir de forma tão assustadora, e como de uma penada, se quer aniquilar o Serviço Nacional de Saúde, envolvendo nessa liquidação os médicos e outros profissionais de saúde, funcionários públicos que, sujeitos às ordem do “Estado”, assistem, pesarosos e contrariados, ao desmoronar deste belo edifício que António Arnault ajudou a construir.
Que significará para a Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, “melhorar os cuidados de saúde (que não são) prestados á população”?
Pagar o táxi ou a ambulância de cada vez que se adoece, para a ida a uma simples consulta, ou para fazer exames? Passar 10 ou mais horas nas “Urgências” do Hospital de Portalegre, na sala de espera ou deitado numa cama de um qualquer corredor? Não seria melhor e mais "económico" deixá-los à sua sorte?
Os gestores da ULSNA não podiam começar a racionalizar por eles próprios, dando o exemplo? Os gestores da ULSNA não conhecem o “manual de boas práticas” e o “código de ética” da sua profissão, na parte em que aconselha o bom senso e a humanidade nas decisões, principalmente, a partilha de informação e a discussão com os principais interessados?
Os gestores da ULSNA terão pensado que, por haver uma “troika” e um governo mais papista que o papa, os habitantes dos concelhos de Marvão, Avis, Campo Maior, Nisa e Crato serão todos “troikanos” e não portugueses abrangidos pelos direitos e deveres constitucionais da República Portuguesa?
Os gestores da ULSNA julgam que têm a “faca e o queijo na mão” e que o direito à saúde e o próprio Serviço Nacional de Saúde são letra morta e dispensável?
Não haverá quem ponha os gestores da ULSNA na ordem?
Mário Mendes