Aproveitando
a tarde solarenga e a propósito de assinalar o Dia Nacional dos Centros
Históricos fiz uma visita a edifícios e ruas da antiga bastide nisense. O que
vi, deixou-me triste e desalentado. Impressiona, não só a desertificação do
chamado centro histórico, como a ausência de limpeza nas ruas, a flagrante
falta de cuidados de manutenção dos edifícios, mormente de alguns que, desde há
muito, deviam estar classificados.
Sufoca-me
o coração, olhar e sentir o actual estado da Rua Direita, que a fértil
imaginação idalinista transformou numa espécie de necrotério, com os retratos
de alguns antigos moradores afixados nas frontarias das casas. Rostos que, na
maioria dos casos nada dizem ou acrescentam à história vivida dos edifícios,
contribuindo, inclusive, para deturpar muitas das actividades que neles se
desenvolveram. Estão lá, ainda, duas das casas em que morei, uma delas de onde
saí para me casar.

Visitei
o Núcleo do Bordado, inaugurado em Abril de 2005, e que a edil, seguindo uma
estratégia de apagamento histórico e da obra de anteriores autarcas, resolveu –
uma vez mais sem dar cavaco a ninguém – “rebaptizar” de Casa da Etnografia. Os
bordados de grande valor que se mostravam em vitrines na entrada do edifício, bem
como outros artefactos, “viajaram” para o Museu do Bordado e do Barro. O
edifício funciona agora como sede de um serviço municipal denominado Radar
Social. É um radar “silencioso” e que, sem qualquer indicação no exterior
afasta os visitantes e inibe-os de testarem a sua curiosidade e conhecerem o rico
acervo artesanal que o edifício abriga. Está fechado aos fins-de-semana,
poupando a Câmara em mão de obra de funcionários e remetendo os visitantes ou
para a “Rua das Pedrinhas” (queres ver que o piso da Ruinha de Santa Maria era
em terra batida?) ou para o edifício da “moda”, a Casa das Memórias que, com o
designado Centro de Artes e Ofícios” merecem as “honras” da publicidade
institucional em tudo o que é sítio.
Visitei,
pela primeira vez, a Casa das Memórias”, tantas as memórias de infância e
juventude que tinha (e tenho) do amplo edifício que se estende desde a Cadeia
Velha.
Nesta
rua, de tantas recordações e afectos, fiquei boquiaberto com a desinformação
toponímica (rima com idalínica) que as novas placas metalizadas e côr de vinho,
ostentam. Dizer que o antigo Canto da Cadeia era, afinal, o Canto de S. Pedro
só pode resultar de uma de duas coisas: ignorância (que é, no fundo) e de
provocação. O antigo Canto de S. Pedro existia, sim, mas na actual (desde 1932)
Rua Capitão Vaz Monteiro, designação que substituiu, graças a favores políticos
durante a Ditadura, a de Rua de S. Pedro.

E
como aparece aqui o “S. Pedro”? perguntarão. Apenas e tão só porque a edilidade
adquiriu uma casa e que demoliu dando ao espaço o nome pomposo, mais um, de
“Canto da Muralha”. E ali, naquele recanto, por artes idalínicas, foram
colocados alguns blocos esculpidos em granito, talvez desencantados no “Curral
da Adua”, um deles com simbologia religiosa, indicando tratar-se de restos de
obras efectuadas na capela de S. Pedro, na rua, original, do mesmo nome e que a
Câmara demoliu em 1970, integrando todo o terreno (capela e adro) no património
da Misericórdia.
Um
bloco com simbologia de S. Pedro? Oh! Lá lá! Pronto, foi encontrado pela
frenética mente idalinista, o nome “antigo” do Canto da Cadeia e, sem mais
demoras toca a imprimi-lo numa placa “baptismal” para enganar actuais e
vindouros. Assim se refaz ou desfaz a história.
Num
curto espaço de cinco metros, mais duas placas metálicas, estas de homenagem ao
ego da edil, a dizerem que foi ela que inaugurou, o edifício de poucas memórias
(e algumas bem más e agonizantes) e o Canto.
Idalina,
na outra vida, devia pertencer à alta nobreza, tal a quantidade de baptizados
que tem protagonizado e de afilhados/as que tem deixado, em cada “canto”. Deixo
a “Casa das Memórias” para mais tarde e sigo.
A
Rua Dr. Graça (antiga Rua do Poço) era a mais populosa, agitada e alegre rua da
“Vila”. Hoje está completamente transfigurada. Edifícios em ruínas e outros com
obras começadas há mais de 20 anos e nunca concluídas, casas abandonadas, a
“pele” de muitas frontarias a mostrarem um colossal desleixo, como que gritando
a pedir socorro e intervenções urgentes. Junta-se a tudo isso, a sensação de caminharmos
num arruamento fantasma, sem vivalma, a que se juntou também a nova “moda” do
entaipamento forçado, em cimento e tijolo, de portas e janelas para fazer
frente à intrusão, roubo e vandalismo.
Alguns
proprietários de casas bem pretendem dar-lhes um novo destino e aproveitamento,
mas a Câmara, tal como no passado, é inflexível, remete para normas e
regulamentos, aponta a designação de “Centro Histórico” como um papão e proíbe
a moradores e proprietários, tipos de construção e materiais que ela própria,
Câmara, utiliza em larga escala à revelia das leis, que como entidade pública
estaria obrigada a cumprir. O exemplo mais acabado está no edifício do Hospital
Velho.
O
Centro Histórico, a “Vila”, precisa de medidas e acções municipais de outro
nível, mais arrojado e sustentável. Não de casas dos bolos ou de “centros
interpretativos”, nem de espampanantes e colossais placards colocados em
edifícios particulares, publicitando o que não existe e impedindo que as
frontarias possam respirar e ganhar alguma alegria.
O
Centro Histórico de Nisa é um “projecto” folclórico, pimba. Páginas e páginas
de intenções, repetidas a cada semana e que não são – nunca foram – para cumprir.
Mas,
“enquanto o pau vai e vem, folgam as costas” e os nisenses, iludidos e mal
pagos, pela propaganda, lá vão continuando a dizer: Dé! Nisa tá munte bunita!
Uma
autêntica maravilha. A senhum presidenta até diz que a vila tem a rua mais
bonita do universe!
*
Mário Mendes