3.3.25

TRADIÇÕES: O Entrudo - Um caso "estranho" em Santana

Foi neste mês que se comemorou o carnaval, embora mal déssemos por ele na nossa terra. Já lá vão os tempos que chamávamos Entrudo ao Carnaval. E se acontece ainda no mesmo ritmo do calendário, a maneira de o festejar é bem diferente.

Antigamente, aproveitava-se a época, para de um modo folgazão e brejeiro. Havia as “caqueiradas” que se atiravam para dentro das casas das raparigas, jogava-se o pote, e havia os “friões” que aproveitavam a época para fazer umas partidas, havia caras mascarradas e roupas enfarinhadas.

Eram duas semanas de alegria, que terminavam com as sopas de entrudo no domingo gordo, bem como o desfile dos friões.

Havia partidas que se repetiam cada ano: trinquetas atadas, carroças que mudavam de lugar, prendas duvidosas, perdidos e achados que pretendiam levar ao riso os espectadores, etc.

Como se disse era época de partidas, dizia-se que “era carnaval, ninguém levava a mal”. Mas não foi o que aconteceu, já lá vão mais de cinquenta anos, com um grupo de jovens de então. Joãozinho, Severino e Joaquim Paulino, entre outros, relataram assim os acontecimentos:

No dia 1 de janeiro

Um caso se aconteceu

O triste do lavrador

O seu arado perdeu.


Ele ia no seu caminho

Seguindo a sua carreira

Quando avistou seu arado

Nas pontas de uma azinheira.


Ele pensou desta maneira

E pensou na sua ideia

Duas correias prendeu

Para o deitar à terra.


Isto são coisas modernas

No curralinho se passou

E o que me faz pensar

É como o arado voou.


Vinha do pé da sua amada

Ia já pra se deitar

E nisto veio à porta

Ao ouvir o cão a ladrar.


Mas quando foi espiar

Já nada lá encontrou

O que me faz admirar

É como o arado voou.

 

E eu desta terra sou

Assim ninguém me conhece

Pra onde quer que tenha ido

O meu nome não aparece

 

Pus-me a escrever a cantiga

Para estes versos espalhar

Para contar a proeza

De um arado a voar

 

E quem o folheto comprar

Não nada que agradecer

E quem não souber ler

Só tem é que desculpar

 

Está bem de ver o que aconteceu. O lavrador não levou a partida para brincadeiras, e vai de ir até Nisa dar parte ao comandante do posto, na altura o tenente Abóbora.

Era dia de mercado, muito frequentado nessa época, e de presença quase obrigatória dos Montesinhos.

Feitas as diligências, foi o grupo encarcerado nas masmorras da GNR, até que deslindassem toda a desventura do lavrador, e logo ali foi lida a sentença que todo o grupo teve de cumprir:

- uma multa simbólica aos prevaricadores, e a interdição durante cinquenta anos de cantarem a cantiga que descrevia a epopeia.

Passados que são mais de sessenta anos sobre o episódio, e a consequente interdição, “O Montesinho” traz ao conhecimento público este episódio.

·        Joaquim Marques – “O Montesinho” – Março 2011