18.3.25

OPINIÃO: Sem casa, sem filhos


Ana Paula Santos, 38 anos, está internada para ter o quarto filho, mas por estes dias vive a maior angústia de uma mãe: está em risco de ficar sem o bebé. Não porque seja negligente ou haja suspeitas de que alguma vez tenha maltratado as outras três filhas, de 4, 9 e 18 anos. O problema de Ana Paula é que, embora trabalhe num lar de idosos, o salário mínimo que recebe não estica para pagar uma renda. Despejada da casa ilegal onde vivia, em Loures, e colocada num quarto de pensão, esta mãe é o rosto de um novo drama - o de quem arrisca perder os filhos porque não tem teto próprio.

A ameaça que pende como uma espada sobre centenas de famílias - recentemente denunciada por várias associações que lançaram um abaixo-assinado e que mereceu destaque na capa do JN do sábado passado - é resultado da crise da habitação que tem empurrado cada vez mais portugueses para uma realidade que julgávamos ultrapassada: barracas, tendas, anexos e todo o tipo de construções precárias a nascer como cogumelos nas periferias das cidades. A solução das autarquias tem sido avançar com programas selvagens de demolição destes bairros clandestinos e o despejo de centenas de famílias. Sendo certo que se trata de construções ilegais, é no mínimo questionável que as câmaras se apressem a derrubar essas casas sem garantir condições dignas de alojamento, como aliás é exigido na Lei de Bases da Habitação.

Além do aumento das pessoas em situação de sem abrigo (cerca de 13 mil) e guetizadas em barracos, há 600 mil em privação severa de habitação (sem quarto de banho, luz natural ou com infiltrações) e mais de 1,2 milhões a viver em espaços sobrelotados, sem condições de conforto ou privacidade. Por outro lado, havia 154 mil fogos desocupados em 2021, segundo o INE, o que mostra que a crise da habitação não reside apenas na falta de casas. É resultado do clamoroso falhanço dos sucessivos governos em garantir o direito a viver com dignidade.

·        * Helena Norte – Jornal de Notícias - 17 março, 2025

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