24.3.25

HISTÓRIA: Os esquecidos de Abril: A história das cinco vítimas do dia da Revolução


Por azar do acaso, cinco homens perderam a vida pela liberdade, mas foram precisos 50 anos, um livro, um filme e meia dúzia de documentários para que os nomes das vítimas do 25 de Abril fossem lembrados e reconhecidos. Através do filme “A Revolução (Sem) Sangue”, Rui Pedro Sousa acredita que se fez justiça.

Foi preciso passar 50 anos para que a morte de António Lage, Fernando Giesteira, Fernando dos Reis, João Arruda e José Barneto saísse do silêncio. Eram jovens e saudáveis, mas tiveram o azar de estar no sítio errado à hora errada, no dia 25 de Abril de 1974. O registo de quem perdeu a vida na Revolução não tem sido muito valorizado, apesar de os factos serem conhecidos dos historiadores e de quem sabe um pouco a história do dia que marcou o fim de 48 anos de ditadura. No entanto, só este ano, quando Abril volveu meio século, os nomes destes homens foram, pela primeira vez, mencionados na Assembleia da República, exceto o de um deles pela ligação à PIDE.

O poder da mudança ninguém pode determinar, mas o lançamento do livro “Esquecidos em Abril: os Mortos da Revolução Sem Sangue”, em 2019, e o filme que se baseou nesta obra, estreado em 2024 nas salas de cinema, parecem ter sido decisivos para lembrar e despertar a memória dos portugueses sobre este acontecimento. Afinal, quem eram estes cinco homens e que passos deram até entrarem para a história como as únicas vítimas da Revolução?

Retrato dos heróis anónimos da Revolução

No dia 25 de Abril de 1974, por volta das 20h20, na Rua António Maria Cardoso, em frente à sede geral da PIDE/DGS, em Lisboa, começou um tiroteio, no qual morreram três pessoas assassinadas pela PIDE. Eram elas João Arruda, Fernando Giesteira e José Barneto. Uma hora mais tarde, iria juntar-se António Lage, morto pelos revolucionários, e Fernando Dos Reis. “Neste caso, fica a dúvida se foi um dos tiros perdidos do exército ou se a PIDE voltou a disparar da varanda de cima”, afirma Rui Pedro Sousa, realizador do filme “A Revolução (Sem) Sangue”.

Do ponto de vista histórico, o historiador António Araújo defende que “mesmo tendo morrido cinco pessoas, não quer dizer que não tenha sido uma revolução pacífica”. Fábio Monteiro afirma que “efetivamente, o número de mortos foi muito reduzido”. Apesar de ter sido uma das revoluções mais pacíficas alguma vez vista, não quer dizer que tenha de se esquecer estes cinco homens. “Passamos o 25 de Abril e nunca reconhecemos que estas pessoas morreram. Há imensos testemunhos de deputados a falarem que não morreu ninguém, que foi uma revolução sem sangue. Nunca houve um reconhecimento destas pessoas”, lembra Fábio Monteiro, autor do livro “Esquecidos em Abril: os Mortos da Revolução Sem Sangue”.

A explicação para esta falta de reconhecimento não é consensual. António Araújo acredita que “apesar de tudo, se falou do incidente. Houve até um momento em que tentaram construir um condomínio de luxo no local onde era a PIDE/DGS e houve um movimento para relembrar que tinham morrido ali pessoas”.

Fábio Monteiro afirma que “o marco principal da Revolução já tinha acontecido e estas mortes ocorreram já no final do dia 25. Então, esse tema não foi uma prioridade”. Para além disso e de os jovens serem todos anónimos, sem conotação política, o escritor e jornalista argumenta que, há meio século, quando eles morreram, desconhecia-se o quanto estes homens foram determinantes para dar uma forma à Revolução. “Tinham sido casualidades dentro de um grande acontecimento histórico. Mas nós sabemos hoje, passados 50 anos, que eles foram decisivos para a queda da PIDE, para a qual não havia intenções claras sobre o que fazer no pós 25 de Abril. Havia frações dentro do Movimento das Forças Armadas que queriam continuar com a PIDE, outros queriam saneá-la, outros queriam cessá-la e a morte deles precipitou isso”, acredita Fábio Monteiro. Já Rui Pedro Sousa revela não ter a certeza do porquê de nunca se ter falado muito no incidente. “Talvez para manter aquela ideia bela de que é uma das poucas revoluções em que nenhum tiro foi disparado, em que não houve derrame de sangue.”

Ao longo de todo o processo de realização do livro, Fábio Monteiro conta uma história que o emocionou, durante as conversas que teve com as famílias das vítimas: “Passados cinco minutos de estar na casa dele, o filho de Fernando Dos Reis vai a uma gaveta e tira uma pasta com todos os documentos que tinha sobre o pai, como pedidos de pensão de sangue a Mário Soares, fotografias, arquivos, trabalhos do filho, trabalhos estes que tinha apresentado, sobre o avô, na escola. Ou seja, é como se essas pessoas estivessem à espera que alguém lhes batesse à porta. Só que até esse dia, ninguém quis saber deles, sentiam-se ignorados.”

O sentimento foi semelhante para o realizador do filme que deu voz a estas pessoas e assim surgiu “toda esta ideia de contar a sua história no cinema como uma derradeira oportunidade de, finalmente, quem sabe a partir daqui, serem sempre lembrados.” O cineasta está convicto de que era o que as famílias mais desejavam: “Queriam que esta história fosse contada, que os familiares não fossem esquecidos. Não é que eles fossem eternizados ou que recebessem um prémio, não merecem um feriado, uma compensação monetária. Era apenas uma questão de reconhecimento.”

·         Margarida do Carmo – Jornal de Notícias -24 março, 2025