Enquanto que as potências europeias, recentemente reunidas em Londres, continuam a marchar ao som dos tambores de uma guerra perdida, os direitos sociais e económicos dos seus povos esvaem-se em sangue.
Diziam-nos
que não havia dinheiro para garantir a saúde pública, a educação ou a
habitação. Não havia margem para aumentar salários, reduzir jornadas de
trabalho ou melhorar as pensões. No entanto, há dinheiro – e em abundância –
para continuar a alimentar uma guerra que nunca deveria ter existido, uma
guerra travada à custa das condições de vida de milhões de trabalhadores na
Europa.
A
NATO e a União Europeia (UE) não só provocaram a guerra na Ucrânia, como agora
se recusam a pôr-lhe fim. Apesar da suposta retirada dos Estados Unidos desse
ermo de morte, repressão e pilhagem ocidental em que transformaram a Ucrânia,
são agora a União Europeia e o Reino Unido – o mesmo que ontem rompia com
Bruxelas e hoje se arvora em líder desta aventura militar – quem encabeça a
escalada. Para eles, a guerra já não é só um negócio: é a cartada perfeita para
justificar o seu rearmamento, a sua dívida infinita, o seu fracassado
experimento de um exército europeu que só serve para disparar contra outros
povos... e, quando chegar a altura, contra o seu próprio povo.
Como
pode a mesma UE que impôs tectos de despesa, cortes e privatizações sob o
mantra da austeridade agora propor gastar sem limites em armamento? Como podem
os mesmos governos que reduzem orçamentos na saúde e encerram escolas
multiplicar as suas despesas militares e exigir-nos que paguemos em silêncio?
Os exemplos da Alemanha, França e Espanha
A
Alemanha é o caso mais evidente. Após décadas de "contenção"
orçamental, o seu governo anunciou um fundo extraordinário de 100 mil milhões
de euros para o rearmamento, e já avisou que poderá ser ampliado. Onde ficou o
travão à dívida? Onde ficaram os limites ao défice?
Em
França, enquanto Emmanuel Macron esmaga os protestos contra a reforma das
pensões, destina 413 mil milhões de euros para despesas militares no período de
2024-2030. De onde vem esse dinheiro? Dos nossos bolsos, das nossas condições
de vida, da nossa precariedade.
Como
pode a mesma UE que impôs tectos de despesa, cortes e privatizações sob o
mantra da austeridade agora propor gastar sem limites em armamento?
Espanha,
que continua com um sistema de saúde pública em colapso e uma crise profunda de
acesso à habitação, aumentou em 26% o seu orçamento militar num único ano.
Enquanto os trabalhadores vivem presos a contratos precários e as rendas
disparam sem controlo, mais de 13 mil milhões de euros são destinados à Defesa,
financiando programas multimilionários para fabricar fragatas, veículos
blindados e caças. Entretanto, os refeitórios escolares reduzem as suas ementas
e os hospitais encerram alas inteiras.
Tudo
isto enquanto nos mergulham numa histeria belicista sem precedentes. Na
televisão, nos jornais e nos discursos institucionais, preparam a opinião
pública para uma guerra longa, para sacrifícios "patrióticos", para
aceitar que viveremos pior porque "é preciso defender a Europa".
Vendem-nos
um enredo apocalíptico que justifica mais cortes, mais controlo social e mais
repressão. Os exemplos são diários: o ministro da Defesa britânico, John
Healey, sugerindo o regresso do serviço militar obrigatório; Josep Borrell
alegando que a Europa é "um jardim" que deve ser protegido da
"selva" exterior; Pedro Sánchez prometendo que Espanha gastará 2% do
PIB em Defesa, mesmo que o país continue a liderar os rankings de desemprego
jovem, como destaca o próprio Instituto Nacional de Estatística (INE) do Reino
de Espanha. Na Polónia, o governo militariza as escolas. Na Suécia, esse
"avançado" país nórdico, mostram-se "preocupados" com a
nossa saúde mental, enquanto o primeiro-ministro apela a que nos preparemos
psicologicamente para uma guerra total.
E
tudo isto depois de terem dinamitado qualquer possibilidade de paz. Porque,
recordemos, não é só o caso de os Acordos de Minsk terem fracassado — nunca
houve sequer a intenção de os cumprir. A própria Angela Merkel confessou-o,
assim como François Hollande: Minsk foi uma armadilha para ganhar tempo e
rearmar a Ucrânia para a guerra. E, uma vez queimadas todas as pontes com a
Rússia, a factura recai sobre todos nós.
Soberania europeia?
A
ruptura energética não só fez disparar os preços, como também revelou que a
Europa não tem qualquer soberania.
Os
Estados Unidos destruíram o Nord Stream e nem sequer houve um protesto formal.
Condenaram-nos a importar o seu gás de fracking, a preços exorbitantes,
enquanto encerrávamos indústrias inteiras devido a custos energéticos
incomportáveis. A Alemanha, suposta locomotiva industrial europeia, viu a sua
produção entrar em colapso e fábricas centenárias fecharem portas. E quem pagou
os despedimentos? A classe trabalhadora.
Enquanto
isso, Volodymyr Zelensky desfila pelas capitais europeias, mendigando mais
armas, mais dinheiro e mais corpos para enviar para o matadouro. A Ucrânia,
transformada num protectorado ocidental — onde os sindicatos estão proibidos,
os partidos da oposição foram ilegalizados e a população é sujeita a uma brutal
mobilização forçada — serve de ensaio geral para o modelo que pretendem
estender ao resto da Europa: um capitalismo em guerra, sem direitos, sem
salários dignos, sem futuro.
A
mesma União Europeia que nos impôs austeridade agora obriga-nos à
militarização. A mesma que nos negou o pão, promete-nos guerra. Mas os povos da
Europa, e em particular a sua classe trabalhadora, não têm nada a ganhar nesta
escalada. Pelo contrário: mais guerra significa mais inflação, mais cortes,
mais repressão e mais miséria.
A
encruzilhada é clara: paz e pão, ou guerra e fome. Não é um slogan. É o dilema
histórico que surge perante nós. E temos de escolher.
Ou
nos resignamos a ser carne para canhão, pagando com a nossa vida e o nosso
trabalho os delírios imperiais de Bruxelas, Washington e Londres, ou levantamos
finalmente a voz contra esta loucura. E dizemos basta. Basta de guerras
alheias, basta de pobreza planeada, basta de governos que governam contra os
seus próprios povos. Porque, se não dissermos basta, se não travarmos esta
engrenagem, chegará o dia em que não restará outra opção senão obedecer à
ordem:
"Hão-de
chamar-me, hão-de chamar-nos a todos / Tu, e tu, e eu, nos revezaremos / em
turnos de cristal, diante da morte", clamava o poeta Blas de Otero, ao
pedir paz e palavra.
Nós
não queremos guerra. Queremos pão. Queremos paz. E devemos tomar a palavra.
* Carmen Parejo Rendón - Escritora e comentadora na HispanTV e na TeleSur, directora da revista digital La Comuna.
** Texto retirado de https://revistalibertaria.substack.com/