11.1.24

OPINIÃO: A quimera da descarbonização

Surpreendente? O consumo de combustíveis em Portugal não atingia valores tão altos desde 2010. Algo que se explica, naturalmente, pelo aumento do número de automóveis a circular nas estradas nacionais. Em contramão, diga-se, com as metas a que o Estado se comprometeu, no âmbito do Acordo de Paris, tendo em vista a descarbonização da economia: atingir a neutralidade carbónica até 2050. Cumprir tal objetivo exige uma redução de emissões superior a 85 por cento, em relação às emissões de 2005.
Uma aparente quimera, se tivermos em conta os hábitos dos portugueses: resistem a deixar o veículo na garagem e aderir ao transporte público. Uma opção compreensível, olhando para o sacrifício que muitos fazem todos os dias em composições de metro e autocarros apinhados. Esses, enfim, têm acesso mais ou menos fácil aos transportes públicos. Há os outros portugueses, residentes fora das áreas metropolitanas - e aí deparamo-nos com a completa ausência de uma oferta de transporte capaz de servir as necessidades das pessoas.
É tempo de quem nos governa perceber: a solução para os portugueses deixarem os carros em casa não é aumentar o imposto sobre os combustíveis ou o IUC. Eles sempre vão encontrar maneira de tentar fazer face às despesas. Antes da via fiscal, é preciso criar condições para que as pessoas possam prescindir do transporte individual. Eu não vou deixar o carro em casa para levar, de autocarro, os meus filhos a escolas diferentes, e depois apanhar ainda o metro até ao local de trabalho, já exausta e desanimada a pensar que ao fim da tarde farei o percurso inverso.
Antes da fiscalidade, mais fácil e de resultados imediatos, não para a descarbonização mas para os cofres do Estado, é urgente olhar a forma como são projetadas as cidades, fazendo delas verdadeiros centros urbanos, onde o comércio, o emprego e os principais serviços sejam de fácil acesso. Se eu puder fazer tudo a pé, o meu automóvel ficará seguramente na garagem. Em Portugal, algum dia o conseguiremos?
* Paula Ferreira - Jornal de Notícias - 08 janeiro 2024