3.8.23

PÉ DA SERRA: Poema da Aldeia em Festa

Estrela da noite, a primeira,
Alumia o nosso andar.
Empresta cor à canseira
Dum alegre caminhar.
Sê o farol dos valados
E dos ermos descampados!

Nas abas sós dos cabeços,
À meia-encosta dos cêrros,
Por entre a urze e os codessos
E os uivos tristes dos pêrros
Continua o nosso andar:
Um alegre caminhar!

Sob a luz meiga da lua,
Falando em coisas passadas
Recordámos, alma nua,
Tuas pobres mascaradas
Que são a parca iguaria
Das horas do dia-a-dia...

Oiço foguetes no ar
Na aldeia que fica perto.
É a festa a rebentar
Ao ritmo rasgado e certo
Do coração aldeão:
É noite de São Simão!

Arraial, fogo, arraial,
Baile, música, raparigas,
Alegra-se o festival
No som em coro das cantigas
Que não cessam. Desgarradas
Vêm morrer nas quebradas...

Ó noite feita de terra
Aldeia sã da vertente
Fantasmagórica serra
Não sepultes pobre gente
Que te adora e te venera
Em dias de Primavera!

Quando tu, toda florida,
Ostentas com garbo ledo
A seiva ardente da vida,
O aldeão mudo e quedo,
De olhos no horizonte
Reza por ti, fértil monte...

Até mesmo a água pura
Tu lhe dás ó cêrro amado.
Matas também a secura
Que estragos tem provocado
Nos campos por onde habita
Como uma loba maldita!

Sobem ao ar os morteiros,
Os pares dançam, vibrantes...
Escoam-se pelos outeiros
Os sons dos tiros berrantes
Que iluminam descampados
E os perfis nus dos valados...

II
De manhã, logo cedinho,
Nos sentámos sós, na fonte.
Não tardou que no caminho
As moças lindas do monte
Nos fizessem tresloucar
E, por momentos, amar...

Rostos belos, olhos, olhos,
Como jamais inda eu vira,
Nascidos de entre os abrolhos
Que a mão de Deus repartira!
Extasiado fiquei...
Contemplativo, eu amei!

Amei sim, enquanto os vi,
Olhos negros meu sonhar.
Amei sim, quando os senti
Perto dos meus, perturbar...
Que lindos eram teus olhos,
Meu amor, entre os abrolhos...

A mão no leve quadril,
O pote cheio na cabeça,
Voante saia de anil
Gentil andar não tropeça:
São as moças lá do monte
Que vão, de manhã, à fonte!

Vem a noite, cai a noite,
Vai-se o dia, vem o dia,
E às vezes, como um açoite,
O vento norte assobia...
Mas na aldeia entretida
Ninguém pára, sempre há Vida!

Nisa, Setembro de 1956
* Carlos Franco Figueiredo

Publicado no "Boletim da Casa do Alentejo" em 1957, sob o título de "Poema do Pé da Serra".