Uma lei ineficaz e divisiva. Foram estes, em síntese, os dois grandes argumentos invocados por Marcelo Rebelo de Sousa para chumbar o plano Mais Habitação dos socialistas (se a lei é do Parlamento ou do Governo é, neste caso, um pormenor). Como disse o próprio, a decisão nada tem a ver com dúvidas sobre a legalidade, é, antes, um problema político. E por isso exerceu o seu direito de veto, dispensando a fiscalização do Tribunal Constitucional.
Quanto à falta de consenso sublinhada pelo presidente, não restam dúvidas: à Direita e à Esquerda, a oposição é geral, ainda que por razões bastante diferentes. Mas isso, na verdade, não é uma novidade para ninguém, e muito menos para Marcelo. A política transformou-se numa guerra de superlativos. Se o presidente só aceitasse legislação em resultado de pactos de regime, os editores do “Diário da República” não teriam quase nada para publicar.
Quanto à ineficácia das medidas do Mais Habitação, é uma previsão e não comporta riscos. Dentro de três anos, quando se fizer o balanço, Marcelo já não estará em Belém. Na verdade, a pressão sobre o custo da habitação (comprada ou arrendada) só se deverá aliviar quando e se houver inversão do ciclo que gerou esta situação limite, ou seja, quando as taxas de juro e a inflação descerem significativamente. Algo que, nos tempos que correm, não depende do Governo de um único país.
Ainda assim, o veto político de Marcelo tem significado. Num cenário de maioria absoluta de um só partido, o principal contraponto ao poder não são os partidos de Oposição, é o presidente da República. É ele quem tem o poder de puxar as orelhas (com os seus vetos) ou de aplicar o castigo supremo (com a dissolução). E já se percebeu que Marcelo não só não dispensa nenhum dos seus instrumentos, como os usa com critério e de forma ponderada. Concorde-se mais ou menos com cada uma das suas intervenções. Num tempo marcado pela polarização, é importante saber que há adultos na sala.
* Rafael Barbosa - Jornal de Notícias -23 agosto, 2023
