15.5.22

OPINIÃO: Políticas de Mudança

Em 1975, o Dr. Eugénio Corte-Real escreveu, “A PROPÓSITO DA OBTENÇÃO DE SANGUE HUMANO PARA TRATAMENTO DE DOENTES”[1], que «só a colectividade pode assegurar» as necessidades de sangue e «para atingir este objetivo é necessário um trabalho progressivo de educação e formação».
É um esforço que envolve muitos voluntários e para dar um exemplo, a maior Associação de Dadores de Sangue do país, Santa Maria da Feira, envolve cerca de 200 voluntários, distribuídos por 31 núcleos. A federação a que pertence, a FAS Portugal, promove naquela região, ações de sensibilização nas Escolas com uma participação regular de quase meia centena de alunos. Estas sessões são promovidas por todo o país.
Esta aproximação aos jovens, tem dado frutos, que registam um crescimento de jovens dadores os quais representam cerca de 11% das dádivas. Mas na última década, tivemos uma redução de 30% no número de dadores de sangue e a faixa etária, onde se sente a maior falta, é entre os 25 e os 44 anos. Este dado preocupante, deve-se ao envelhecimento da população e à quebra do espírito fraterno e solidário, que está a ser substituído pelo egoísmo, o discurso de ódio, a par de outros fatores.
Refiro-me, à atual situação laboral que retira às pessoas, tempo, direitos e segurança no trabalho. Há trabalhadores que são penalizados por darem sangue, outros não conseguem ausentarem-se e muitos, devido ao excesso de carga horária, não têm sequer disposição física e mental. As leis do trabalho e o estatuto do dador de sangue necessitam urgentemente de alterações.
Os dirigentes das Associações, também, devem ser apoiados e é imoral, que muitos esperem meses e até adiantam dinheiro pessoal, para garantirem as colheitas de sangue. Enquanto, assistimos a fugas milionárias de dinheiro do Estado para colégios privados com contratos de associação, futebol, férias de luxo e carros de luxo. Isto, enquanto se exigem sacrifícios a esses dirigentes voluntários.
A dádiva é um direito humano fundamental e um dever da sociedade; a Dádiva não remunerada, é a via para evitar sangue contaminado; ainda hoje, temos situações dramáticas por esse mundo, com pessoas pobres a venderem o seu sangue para poderem dar de comer à família entre outras situações verdadeiramente lamentáveis como as dependências.
Em Portugal reduzem-se e cancelam-se colheitas; muitos dadores já foram impedidos de doar o seu sangue por falta de pessoal, ou de meios e para agravar, o movimento associativo está a ser desprezado. Não podemos permitir que se destrua um trabalho de décadas e que se regresse ao tempo em que morriam pessoas por falta de sangue, ou que se pague a alguém para dar sangue.
Portugal necessita entre 800 a 1000 dádivas por dia, para garantir as reservas necessárias. As plaquetas, têm uma validade de 5 a 7 dias, mas estas são consumidas de imediato, porque têm uma grande procura para tratamentos oncológicos. Os eritrócitos (glóbulos Vermelhos), com menor utilização hospitalar, têm um tempo de vida até 42 dias a uma temperatura de 5º. Quanto ao precioso plasma humano, em Portugal, tem 2 formas de processamento para o tratamento de doenças:
O Plasma fresco inativado[2], representa apenas cerca de 10% do volume total do plasma obtido através da dádiva.
O Plasma para fracionamento era até 2018, incinerado devido a interesses criminosos e obscuros. Felizmente, a partir daquela data, Portugal fraciona o seu plasma para obtenção de 3 medicamentos[3], graças ao programa nacional estratégico, historicamente exigido pelo movimento dos Dadores de Sangue.
No mundo desenvolvido, utiliza-se muito menos a dádiva total. É possível obterem-se os componentes sanguíneos pelo método de aférese, através de equipamento específico para fazer a colheita dos 3 componentes sanguíneos de forma separada. Portugal não necessita de sangrar a população, que já de si tem problemas de falta de ferro. Não faz sentido estarmos a retirar os eritrócitos, já com tão reduzida necessidade hospitalar.
A FAS Portugal[4] encontra-se em diálogo com a tutela, para que Portugal adote, também, estes métodos de colheita (aférese).  Mas há, nitidamente, uma despreocupação com um assunto tão sério. Quem está ligado a esta causa de corpo e alma, transporta a angústia de perceber que o futuro pode ser negro se não existirem políticas de mudança.
* Paulo Cardoso - Vice-presidente da FAS Portugal in Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 13/05/2022
NOTAS
[1] Separata de O Médico, 1975, Dr. Eugénio Corte-Real,
[2] Por imperativo legal, o IPST tem que ter sempre disponível um stock mínimo de 150 000 unidades deste produto.
[3] Albumina, imunoglobulinas e fator VIII
[4] www.fasportufal.org