Vem aí o 1.º de Maio, dia do trabalhador. Este dia surgiu com a manifestação de 500 mil americanos envolvidos em lutas sindicais em Chicago no ano de 1886. É uma data que recorda muitas lutas por direitos laborais, redução de horas de trabalho e melhorias salariais. Resumindo, uma luta contra a exploração. Em Portugal foi possível comemorar o 1.º de Maio de forma livre, após o 25 de Abril de 1974 que derrubou a mais velha ditadura da Europa. Foi a maior manifestação popular de sempre, envolvendo centenas de milhares de pessoas.
Os direitos dos trabalhadores e a capacidade de intervenção dos sindicatos, sofreram um golpe duro e rude pelas alterações liberais de direita, promovidas pelo Governo PSD/CDS em 2003, sob a batuta de Bagão Félix. Segundo a OCDE, o número de sindicalizados em Portugal, passou de 60,8% em 1978, para 15,3% em 2016. Podíamos apontar o dedo ao mau sindicalismo que, também existe, mas a desregulamentação das relações laborais é o fator principal, a dificultar a atividade sindical. E, sem sindicatos, os trabalhadores estão indefesos. Dos falsos recibos verdes aos contratos de horas repetidos à exaustão, existe uma selvajaria no mundo laboral.
A política de baixos salários com um ordenado mínimo, que ao longo de décadas resulta numa contínua perda do poder de compra, não é admissível. Não é aceitável que quem trabalhe e ganhe um salário, viva na pobreza e também não é compreensível, que salários e pensões sejam diferentes para pior, só porque se é mulher. Até quando o PS e a direita vão defender a desigualdade de género?
O 25 de Abril além de instaurar a democracia, abriu caminho para a igualdade de género. As mulheres de hoje podem aplaudir as conquistas que ajudaram a ultrapassar muitas injustiças, mas ainda há muito por fazer e os perigos espreitam, quando vimos crescer forças com pendor sexista. O 25 de Abril é de quem acredita e defende a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
Na função pública, os assistentes operacionais, categoria que significa “pau para toda a obra”, mesmo os mais antigos, ou seja, a maioria, ganham pouco mais que o ordenado mínimo nacional. Depois ainda estão sujeitos, conforme as simpatias, amiguismos e partidarites a uma “mobilidade forçada”. Se dizes mal do chefe, ou o teu lugar é apetecido pelo amigo do chefe, então ficas com o pior serviço, ou estás de malas feitas. Isto é, no mínimo, a falta de consideração por quem “faz o país funcionar” como disse o deputado José Soeiro nas comemorações do 25 de Abril.
Nos últimos anos tem sido notícia, o assédio moral infligido a trabalhadores em vários pontos do país no Grupo Sonae. Recentemente, a advogada Rita Garcia Pereira conseguiu a condenação da Modelo Continente, na Madeira. Os números do assédio moral e sexual no trabalho são muito superiores à média europeia e é um dado que incide mais sobre as mulheres. Se o código do trabalho e civil não têm sido eficazes, as autoridades de segurança e judiciais ainda menos. E o assédio é transversal a muitas empresas e serviços públicos.
Há muito para mudar, mas as forças de bloqueio do próprio PS quando é governo, até à direita fazem com que os trabalhadores estejam sempre numa posição fragilizada. Esta situação nem sempre decorre da falta de lei, mas da forma como está arquitetada, colocando a hipótese de ser contornada, ou até ignorada por falta de fiscalização e de uma justiça cheia de labirintos, muitas vezes por falta de especialização na justiça, que sofre da falta de recursos.
Enquanto tivermos trabalhadores a serem penalizados por darem sangue, por assistência à família; enquanto virmos mulheres a serem despedidas porque engravidam e imigrantes a serem escravizados, PS, PSD, CDS, IL e Chega deviam pensar melhor quando defendem a liberalização dos despedimentos. Em pleno século XXI, já não devíamos assistir a mão-de-obra escrava como acontece em especial na agricultura intensiva. É importante regular a venda e a compra de mão-de-obra, combatendo a exploração e a precariedade que os grandes grupos económicos tanto desejam.
Sabemos que há muito para fazer e lutar, mas ao contrário do que afirmam os saudosistas da ditadura do atraso e da miséria, não falhámos. Apesar do jogo de forças ser desequilibrado, abolimos a perseguição política, a censura, podemos escolher os nossos representantes, diminuímos a mortalidade infantil, o analfabetismo e foi criado o SNS, entre outras coisas. Falhar é não reconhecer que o falhanço para Portugal, foram os 48 anos de ditadura; falhar, é não lutar pelas pessoas.
* Paulo Cardoso in Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 29-04-2022