Na semana que terminou, o jornal Politico divulgou o que será o primeiro rascunho de uma decisão do Supremo Tribunal norte-americano, constituído maioritariamente por conservadores, e que aponta no sentido de anular a decisão Roe vs Wade, de 1973. Quase 50 anos depois, a lei do aborto pode ser revogada, numa altura em que os estados mais conservadores já estão a limitar esse direito. O projecto de decisão ainda pode ser alterado. De qualquer forma, espera-se que a decisão seja conhecida em Junho ou Julho. Fomos saber o que é a decisão Roe vs Wade e conhecer "Jane Roe", um pseudónimo de uma jovem mulher, branca, pobre, que engravidou, não tinha condições de vida, e que já anteriormente tinha tido um filho que dera para adopção.
É muito fácil desvalorizar a decisão do Supremo Tribunal e dizer que se não se pode fazer o aborto num estado que se faça noutro. É como se disséssemos que se não se pode fazer em Portugal, que se faça em Espanha, como se fazer um aborto fosse uma viagem turística e que não exista um contexto, um acompanhamento antes e depois. Fazer afirmações destas é viver numa bolha em que se desconhece as pessoas que vivem não no nosso condomínio, já se sabe, mas naqueles bairros por onde se passa em carros cheios de tecnologia de ponta, de janelas fechadas.
As Nações Unidas sublinham que, se o direito ao aborto for revogado nos EUA, este é um “retrocesso global” que se vive em matéria de direitos das mulheres, incluindo direitos sexuais e reprodutivos. O aborto, por muito que sejamos defensores da vida, é um direito humano - e não apenas um direito das mulheres. É um direito como o direito à educação sexual, aquela que se deve ter em casa, mas caso não seja possível, que seja garantida na escola, para que rapazes e raparigas saibam o que é uma relação sexual, que ambos são responsáveis pela sua vida sexual (e não apenas as miúdas porque engravidam), que o coito interrompido, nem o método das temperaturas ou do calendário evitam a gravidez, que a gravidez pode ser indesejada na adolescência, mas que também é um risco, uma vez que o corpo ainda não está preparado para tal. É um direito das vítimas de violação e das vítimas de violência doméstica. É um direito das que podem morrer com uma hemorragia interna porque o óvulo se alojou numa das trompas de Falópio, ou daquelas cujo feto não é viável, etc., etc.. É um direito. E isto é ser pró-vida.
Se o Supremo Tribunal anular a decisão Roe vs Wade há já empresas que se disponibilizam a apoiar financeiramente os funcionários que precisem de viajar até outro estado para abortar. Houve um leitor que escreveu na caixa de comentários: "Funcionários? Talvez quisessem dizer funcionárias. Tanta coisa com a linguagem "inclusiva" e depois..." Bem, é que o direito ao aborto é também das pessoas não binárias.
* Bárbara Wong in Ímpar - "Público" - 8/5/2022