Em abril, ao referir as fragilidades nos lares e a elevada taxa de mortalidade por covid-19 entre os seus utentes, Graça Freitas apontava que estas mortes representavam 40% da mortalidade devido à doença no nosso país.
Passaram quatro meses e seria de esperar que tivéssemos melhorado a capacidade de intervenção nestas instituições, mas novo balanço volta a ser avassalador. De acordo com dados atualizados pela Direção-Geral da Saúde, até 12 de agosto morreram 681 idosos internados em lares, equivalendo a uma percentagem de 38,7%.
Juntemos às estatísticas os relatos de horror que chegaram de lares como o do Comércio, em que uma dezena de familiares se juntou numa queixa-crime por negligência, e sobretudo os que se leem no relatório sobre a tragédia em Reguengos de Monsaraz. A maioria dos 18 mortos não foi vítima de covid-19, mas de desidratação e agravamento de doenças crónicas, por falta de cuidados básicos.
O surto em Reguengos não ocorreu no início da pandemia, quando poderíamos invocar desconhecimento e falta de tempo para nos preparar. Aconteceu no mês passado e envergonha as autoridades de saúde, porque revela total incapacidade em acompanhar estes locais e assegurar que nenhuma instituição ou comunidade fica sem recursos básicos para cuidar de quem adoece.
Depois de cinco meses e meio de paragem, os centros de dia recomeçam hoje a abrir portas.
O regresso é essencial para que cerca de 150 mil idosos deixem de estar sozinhos e reencontrem espaços de abrigo e de socialização. Mas não deixa de ser inquietante temer que a reabertura possa implicar riscos acrescidos de contágio. E inquieta mais ainda que o drama da solidão e do abandono, que o facto de em pleno século XXI deixarmos pessoas morrer à sede causem tão pouco sobressalto e debate público. A maneira como tratamos os nossos velhos diz muito do que somos como sociedade. Não nos faltam motivos para corar de vergonha.
Inês Cardoso in "Jornal de Notícias" - 16/8/2020