26.2.20

Terras Sem Sombra em Arraiolos celebra arte e ciência pela mão das mulheres

Um fim de semana em que até se falará do pão dos pobres
Arraiolos é a próxima paragem do Festival Terras Sem Sombra para um fim de semana, 29 de Fevereiro a 1 de Março, em que a arte e a ciência serão celebradas pela mão das mulheres. 
A programação destaca a arte no feminino, seja na grande música ou no saber ancestral das tapeteiras. Também na iniciativa de salvaguarda do património – dedicada à bolota – as mulheres vão assumir o protagonismo, seja na ciência ou na vida empresarial.
No que toca à música, sábado, às 21h30, na igreja do convento de Nossa Senhora da Assunção, vulgo Lóios (Pousada), a arte das musas juntará a flauta da checa Monika Streitová e o piano da portuguesa Ana Telles.
O repertório contemplará apenas peças compostas por mulheres, num período alargado que se estende da Idade Média até à contemporaneidade.
Referindo-se ao programa, Juan Ángel Vela del Campo, diretor artístico do Festival, destaca as «peças da alemã Hildegarda de Bingen – uma poderosa referência na História feminina da Música – e da tártara-russa Sofiya Gubaydulina, a mais reconhecida e admirada compositora viva dos nossos dias. E, a par dessas, surgem outras figuras primordiais, incluindo criadoras tão destacadas como a checa Vítězslava Kaprálová, a francesa Cécile Chaminade ou a austríaca Maria Theresia von Paradis».
Tanto o público como a crítica destacam o enorme talento e a grande sensibilidade das interpretações deste nascente duo. Monika Streitová é uma flautista checa com fortes ligações a Portugal. O seu repertório inclui mais de 200 estreias mundiais e tem-se apresentado por toda a Europa quer a solo, quer em diversas formações.
Ana Telles, pianista e musicóloga de projecção cosmopolita, formada em Lisboa, Nova Iorque e Paris, tem-se apresentado a nível nacional e internacional em salas prestigiadas como solista e em grupos de câmara. A sua discografia conta já com dezena e meia de títulos.
Num ano em que a República Checa é país convidado da 16ª edição do Festival, este concerto «afigura-se como um momento de aprofundamento do diálogo artístico entre intérpretes dos dois países», perspetiva a organização.
O ponto de encontro para sábado à tarde (15h00) é no edifício do Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos, um dos mais antigos e históricos da vila, erigido num local onde se descobriu um complexo arqueológico com mais de 95 fossas, onde funcionaram tinturarias associadas ao tingimento da lã.A proposta da ação de património é uma viagem ao Tapete de Arraiolos orientada pelo historiador Rui Miguel Lobo e pelo historiador de arte – e também diretor-geral do Terra sem Sombra – José António Falcão.
Este será o momento ideal para percorrer oficinas de fabrico de tapetes e entabular conversa com as guardiãs deste labor: as bordadeiras.
A atividade terá também uma vertente direcionada para o público infantil, com uma oficina criativa adaptada às crianças que se familiarizarão com o fabrico dos tapetes, os desenhos, as cores, os materiais.
É que, considera a organização, é «crucial que os conhecimentos associados aos ofícios tradicionais não sejam esquecidos e passem de geração em geração, assim como o manancial de segredos a eles vinculado, uma das grandes preocupações do festival alentejano, que iniciou em 2020 um programa dedicado aos mais novos».
Como assinala Rui Miguel Lopo, «os tapetes de Arraiolos são uma das mais valiosas expressões do génio artístico português, assumindo lugar destacado no panorama das artes ornamentais do país».
Bordados com fios de lã merina, tingidos de várias cores, sobre tela de linho, estopa deste, grossaria ou canhamaço, denotam, ao longo da história, o sábio aproveitamento dos recursos locais. Permitem também estabelecer interessantes relações com outras culturas e civilizações.
A origem do Tapete de Arraiolos não é clara. Talvez esteja ligada à continuidade, no Alentejo, de uma tradição própria das comunidades muçulmanas, mas faltam documentos que o explicitem de modo perentório. A referência mais antiga aos tapetes de Arraiolos data de 1598 e os investigadores acreditam que a origem esteja ligada aos tapeteiros muçulmanos de Lisboa, expulsos por D. Manuel em 1496.
No coração do Alentejo, esta tradição atingiu o apogeu durante os séculos XVII e XVIII, quando, sob o impulso do Barroco, uniu o imaginário coevo, filtrado pela criatividade da arte vernácula, à influência dos tapetes importados do Oriente, em particular da Turquia e da Pérsia. Técnicas, materiais, objectos e saber-fazer constituem, em Arraiolos, um legado transmitido de mães para filhas. O grande desafio para a continuação da arte tapeteira é a renovação geracional.
O programa do fim de semana Terras sem Sombra termina com a habitual ação de salvaguarda da biodiversidade (1 de Março, 9h30). Desta feita, o tema é a bolota e as suas virtudes numa apresentação feita no Moinho de Pisões, em Aldeia da Serra, por três especialistas: José Mira Potes (engenheiro zootécnico), Teresa Rita Barrocas (empresária) e Ana Fonseca (investigadora).
A bolota – fruto da azinheira, do sobreiro e do carvalho – tem um lugar fundamental na criação do gado, sobretudo o porcino, conferindo grande qualidade à sua carne. Mas as variedades mais doces assumiram também importância na alimentação humana. Os antigos povos europeus consumiam-na na íntegra, moíam-na para obter farinha empregue na confeção de pão ou maceravam-na em água, de que resultava uma bebida fermentada, muito nutritiva, comparável à cerveja.
Na gastronomia tradicional, sobrevivem reminiscências desses usos, sendo a bolota empregue como complemento ou petisco. As populações rurais consomem-nas cruas ou assadas. Também era usual venderem-se, nas feiras, enfiadas de bolotas bem secas (aveladas) ou torradas.
in Sul Informação - 26/2/2020