"Em menino sempre sonhei que, um dia, quando fosse grande, havia de ser artista. Músico ou pintor. Mas, quando terminada a escola primária esperei que me destinassem à António Arroio, em Lisboa, puseram-me uma mala na mão e mandaram-me para o seminário, em Alcains. Anos mais tarde, quando manifestei a vontade de seguir uma carreira musical, foram-me logo dizendo que "com as notas da música não se compram os melões". E acabo inspector escolar. Hoje, também é uma arte. Embora uma daquelas que nada, ou muito pouco, tem a ver com aquela que, aqui, nos juntou: a Música." in "Música e Comunicação" - 1982
Carlos Dinis Tomás Cebola, o Inspector Cebola, faleceu no passado dia 4 de Fevereiro no Hospital de Évora, aos 91 anos de uma vida dedicada à Educação e à Escrita. O seu funeral realizou-se em Montemor-o-Novo, sua cidade adoptiva e constituiu enorme manifestação de pesar.
Carlos Dinis Tomás Cebola nasceu em Nisa a 9 de Novembro de 1928. Após a instrução primária, estudou no seminário de Alcains e em Nisa, no Colégio do Dr. Durões Correia, tendo concluído o Curso Geral dos Liceus, no antigo liceu Mousinho da Silveira em Portalegre.
Fez o Curso do Magistério Primário em Évora e exerceu como professor em Reguengos de Monsaraz, Montemor-o-Novo, que viria a ser a sua terra de adopção e Luanda (Angola) até 1971. A partir dessa data ocupou, sucessivamente, os cargos de Sub-Inpector Escolar, sub-director do Distrito Escolar de Luanda e Inspector Escolar, tendo-se aposentado em 1994, como inspector principal da Inspecção Geral de Educação, após 44 anos de serviço.
Residia em Montemor-o-Novo, onde havia casado em 1958 e lhe nasceram os seus dois filhos. Foi também nesta vila, que ascendeu a cidade em 1988, que escreveu as suas peças de teatro, a partir de 1956, com "Três Tardes de Três Outonos"; em 1958 "A Cigarra e a Formiga" e em 1961 "A Acácia do Quintal", apresentada pela RTP e mais tarde editada em separata pela revista Humanitas do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em 1962 ganhou um 2º prémio no 1º concurso de originais para a RTP com a peça "O Retrato de Marcelo" e, nesse mesmo ano, a censura proibiu "Quinto Mandamento", proibição que, no ano seguinte (1963) foi levantada, sem qualquer explicação e autorizada a sua representação, que acabou por permitir ao Grupo Cénico da Sociedade Recreativa e Dramática Eborense, numa encenação de José Saloio, arrebatar todos os primeiros prémios em disputa no Teatro da Trindade, em Lisboa.
Em 1964 escreveu "João Cidade" peça que, após alguns ajustamentos, voltou a ser representada no Cine Teatro Curvo Semedo, em 1995 e integrada nas comemorações do 5º centenário de S. João de Deus, patrono da cidade montemorense.
Em 1999 escreveu "Tamar", em 2006 "Em Montemor, o Maior..." livro dedicado a S. João de Deus, editado pela Colibri e patrocinado pela autarquia montemorense, "Invasões" em 2008, no segundo centenário das Invasões Francesas, e em 2012 "Frei Adão", peça sobre uma figura religiosa nisense e a única que ainda não foi representada. Em Luanda escreveu três peças de teatro infantil para a Companhia Teatral de Angola.
A Nisa, sua terra natal, dedicou, em 2005 "Nisa, a Outra História", estudo no qual apresenta uma nova versão sobre as origens da vila, sustentada na sua ligação aos Templários e em 2014 "Nisa, História e Tradição", edição apoiada pela União de Freguesias de Nisa.
Nisa, a música, o artesanato, o associativismo, a história local e as tradições, estiveram sempre na primeira linha do pensamento de Carlos Cebola. À terra-mãe, se deslocava sempre que a saúde o permitia, fosse para a apresentação dos seus livros ou para a participação em colóquios ou eventos para que era convidado, como a apresentação pública dos primeiros alunos da Escola de Música da Sociedade Artística Nisense, da qual saiu uma notável conferência publicada num opúsculo sob o título "Música e Comunicação" e editada pela Câmara Municipal em 1982, e um outro sobre a figura de Mestre Félix, cidadão nisense com uma vida dedicada à música. A Nisa deu Carlos Cebola um contributo assinalável, colaborando, desde os anos 60 em todos os jornais que nesta vila se publicaram, desde Luanda com as suas "Crónicas de Angola" para o "Correio de Nisa" até ao "Jornal de Nisa", com textos de excelente nível, abordando os mais diversos temas da cultura, da história local e não se eximindo até, de dar as suas opiniões sobre temas e problemas locais, mostrando dessa forma que, mesmo longe, o seu coração nizorro não deixava de pulsar pelo desenvolvimento da terra e do concelho. Em 2006, aquando da apresentação do livro "Em Montemor, o Maior..." na Biblioteca Municipal Almeida Faria, tive o privilégio de testemunhar a homenagem, o apreço e gratidão dos montemorenses, dos mais novos aos mais idosos, por um filho adoptivo da sua cidade. Não admira, por isso, que a Theatron - associação cultural, tenha agraciado o cidadão, o escritor, o teatrólogo, Carlos Cebola, com o título "Sócio Honorário".
A autarquia montemorense, se for justa, far-lhe-á o merecido preito de homenagem. O mesmo se espera do Município de Nisa, terra onde nasceu, viveu e sobre a qual escreveu textos de grande valor histórico e cultural e que, ainda hoje, mantém gritante actualidade.
Nisa e Montemor-o-Novo, com a morte de Carlos Dinis Tomás Cebola, perderam um cidadão interveniente, lúcido, vertical, um escritor de memórias e histórias que hão de perdurar por muito tempo. Que o seu exemplo frutifique!
Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 11/2/2020