Não tenho nada contra Greta. Tenho contra muita gente que a desvaloriza por ser menor e outra tanta gente que questiona o espectáculo mediático à volta de uma jovem cujo discurso chega a muitos e incomoda outros tantos.
É-me indiferente o espectáculo e deveria ser para todos nós: vivemos permanentemente no palco ilusório da redes sociais, expondo a vida, os gostos, as críticas, as fotografias dos gatinhas e das crianças. Fazemos jornalismo de cidadão, denunciamos nas redes. Temos os nossos cinco minutos de fama em permanente loop, não são cinco minutos reais, são virais, eternos, sempre disponíveis. Os mecanismos das redes mostram-nos as publicações com mais likes. Contabilizamos os likes.
Interagimos publicamente e de forma global como nunca, é a tecnologia, é o avanço da comunicação, da forma de estarmos em sociedade e entre sociedades e culturas.
Por isto tudo, lamento, o espectáculo em redor da activista sueca não pode espantar ninguém.
O certo é que a sua intervenção é eficaz, basta ver o que aconteceu ontem com a chegada a Lisboa, a entrada no Tejo, as fotos à distância da embarcação, as fotos tiradas de barcos alugados deliberadamente para registar imagens de Greta e do pai e da youtuber que os acompanha, ela que traz ao colo uma criança de onze meses. Ficámos a saber ao minuto as marés, as correntes, as publicações feitas nas redes, a última refeição de restos (pelos vistos havia muita abóbora a bordo).
Greta desembarca em Lisboa, o presidente da câmara, que foi sentar-se a fazer tempo num restaurante perto da Doca de Santo Amaro à espera do momento mágico para as televisões e outras câmaras do mundo, as palavras de ordem e a recepção apoteótica. É uma estrela, é uma celebridade? Também é um exemplo,também é alguém que se tornou uma referência para as novas gerações. Aspiracional? Sim porque o que defende faz sentido e está na hora de cuidarmos do planeta.
Na verdade, estamos muito atrasados e outros activistas andam há anos a tentar ter o impacto que Greta conseguiu nos últimos tempos. Dizer que é jovem e arrogante, que é fatalista e acusadora, é fácil. Dizer que tem o síndrome de Asperger como forma de a menorizar é um ataque hediondo. Greta sabe ao que vem, sabe das críticas e dos ataques e continua. Muitos já teriam desistido.
Ela faz parte da geração para quem o palco se tornou um território seguro. Tem o palco e tem uma mensagem, não nos está a mostrar gatinhos amorosos ou crianças talentosas a cantar Nessun Dorma. Greta não se vai calar. Ainda bem. Porque mesmo os que a criticam não têm como não a ouvir. E o planeta precisa urgentemente de ter vários porta-vozes a gritar por socorro.
Patrícia Reis in 24.sapo.pt - 4 Dez. 2019