9.12.19

OPINIÃO: Caça aos Sem-Abrigo

Neste país com um sistema judicial impotente para com os poderosos, mas duro com os fracos, prende-se uma jovem perdida na vida, por ter abandonado um bebé num contentor e condena-se um sem-abrigo que roubou para comer. São notícias destas que demonstram que algo está mal. Marcelo Rebelo de Sousa declarou apoio ao governo para resolver até 2023, o problema das vítimas da exclusão social.
Enquanto forem despedidos de forma selvagem, trabalhadores e no mercado de trabalho, a alternativa é o trabalho sem regras, os sem-abrigo vão sempre aparecer, vítimas de patrões sem escrúpulos e de insolvências fraudulentas. Também são incubadoras de sem-abrigo, o sistema bancário da forma agressiva como trata as pessoas em dificuldades e a Autoridade Tributária, na forma cega como trata os contribuintes com problemas.
Estão Marcelo e o governo interessados em levar estes assuntos em linha de conta? Se não, parem com a demagogia! Estimam-se cerca de 4 mil pessoas a viverem na rua e enquanto for possível trabalhar e continuar na pobreza, a solução está longe de passar por boas intenções e de palavras, a quererem erradicar a pobreza no trabalho. A exploração e a precariedade são o toque de ordem da legislação laboral da troika em vigor.
Além das dependências e das vítimas do ultramar, outro fator que contribui para este flagelo, tem a ver com a doença mental, ao mesmo tempo desconsiderada e descriminada. Os sem-abrigo com este problema são abandonados à sua sorte e, alguns são acolhidos e misturados com outros assuntos. O Estado tem a obrigação de criar novas unidades, dotadas de técnicos e pessoal com conhecimento e sensibilidade para promover a prevenção e o tratamento destes casos. Desde 2018 que se espera pelo cumprimento do Plano Nacional Estratégico para a integração dos sem-abrigo. Até quando? Será porque os sem-abrigo e a saúde mental não dão votos?
Temos exemplos de instituições que fazem um trabalho árduo e meritório, com pessoas que dão a sua prestação de forma voluntária, para ajudar quem precisa. É importante perceber quem faz voluntariado dedicado e os que o fazem interessado, porque infelizmente, também existe o pior – grupos organizados que fazem negócio com a pobreza e ainda ajudam grandes grupos económicos.
Com o controle dos aparelhos partidários, temos por esse país fora, Associações, Fundações e IPSS’s instrumentalizadas a garantirem mais “jobs for the boys”. É o status quo em nome da pobreza a criar “tachos”… É o propósito de quem não aposta num verdadeiro Estado social; é a manutenção de uma caridade assistencialista para tapar os problemas criados com políticas erradas. Fogem às políticas sociais e querem esconder a miséria que criam, com a caridade.
Infelizmente, a pobreza é um instrumento e o sonho de Passos Coelho mantém-se. Temos o país a empobrecer; há mais de uma década a perder no salário ano, após ano. Agora, estamos na época das cativações e até os 131 milhões aprovados em julho, para integrar os sem-abrigo, estão a marinar, como se o assunto não fosse urgente. Não basta abrir a boca e dizer inclusão social, é preciso passar à ação e evitar que mais casos surjam.
Segundo o INE, 17 em cada 100 portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza. A líder parlamentar do partido que governa (PS), admitiu que 11% dos trabalhadores estão em risco de pobreza. Não é admissível que, quem trabalha não ganhe o suficiente para sobreviver e seja obrigado pelo Estado, a alimentar corruptos e a curvar-se perante os exploradores.
Chegou o Natal, com amor e compaixão para com os nossos velhotes e pelos sem-abrigo, que evitamos um ano inteiro. É a altura para o show-off com televisões a destacarem a desgraça social nacional, que todos veem na rua durante o ano e fingem que não, ou até criticam com um “vai trabalhar malandro” … Vêm aí peditórios, alguns fraudulentos e outros altamente lucrativos para as grandes superfícies. Muitas vezes, os sem-abrigo não recebem a maior parte destas ações e continuam a ser negados os direitos básicos como a habitação, a alimentação e a saúde.
“Deus lhe pague”, respondia o mendigo Juca à porta da igreja, para branquear os pecados dos devotos, na peça de Joracy Camargo. Antes, Juca foi roubado pelo patrão de quem fez queixa, mas ele é que foi preso e enlouqueceu. Depois saiu e enriqueceu a pedir, mas foi novamente enganado por Péricles um bancário. Com o “Deus lhe pague”, muita gente limpa a consciência…
Já cheira a Natal e está declarada a abertura da caça aos sem-abrigo…
Paulo Cardoso in Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 6/12/2019