22.5.19

OPINIÃO: "Levante-se o réu!"

Desde jovem que olho para as chaminés da Corticeira Robinson em que o fumo negro matava e o fumo branco alimentava muitas famílias. Por isso, achei curioso ver essas chaminés, na capa do primeiro livro do Rui Cardoso Martins - “E se eu gostasse muito de morrer”; um romance, numa cidade deprimida no interior esquecido, onde «até o coveiro se mata».
No entanto, não é disso que quero falar agora.
Sempre considerei a Fundação Robinson um “elefante branco” com investimentos duvidosos; movimentos de verbas não explicadas e o comprovado definhar do património físico e fabril, a provar que o propósito inicial falhou; para não falar da forma como foram espoliados os trabalhadores, vítimas de uma insolvência criminosa, para alimentar vaidades que continuam a cair como pedras de dominó, num jogo de interesses… Nem políticos, nem sindicalistas se opuseram à criação de uma Fundação que como outras, tem servido para roubar os trabalhadores nos seus direitos legais.
O mais complicado é perceber que os eleitos na Assembleia Municipal de Portalegre viabilizaram até aqui, esta Fundação sem uma auditoria à sua atividade. Já agora e mudando de assunto, recordo que a questão dos parquímetros que considero danosa, contínua à espera dos ajustes prometidos pela CLIP, para dar alguma decência a este processo, ao comércio e aos automobilistas.
Felizmente, Portalegre ainda tem pessoas que lutam e insistem em dar a esta cidade o alento que merece; nas artes, na cultura, no desporto e outras áreas. No voluntariado sou testemunha do excelente trabalho na dádiva de sangue, que nasceu pelas mãos do saudoso António Eustáquio; também, de quem achou que Portalegre precisava de uma Cooperativa de Habitação verdadeiramente social e com um trabalho estoico, Rui Antão deu muito de si a Portalegre ao lutar contra o poder dos empreiteiros apoiados por Câmaras PSD e PS. Acabou por ver a crise financeira destruir um projeto que garantia casas condignas a custos controlados, combatendo a especulação.
Quando se venceu a barreira do ano 2000, em que supostamente o mundo acabaria, na Nazaré onde passo férias desde miúdo, não consegui conter a emoção ao assistir num noticiário, o meu conterrâneo Joaquim Herculano, a anunciar a abertura da Casa dos Sem Abrigo em Portalegre. Nesta cidade que perdeu a Lanifícios, a Johnson Controls e a Corticeira Robinson, nessa mesma década, perante a apatia centralista e criminosa de governos PS e PSD.
Antónia Chambel, uma mulher dedicada e com princípios muito elevados, reconhecidos nesta cidade, transformou o acolhimento dos Sem-Abrigo numa comunidade familiar. Eu próprio convivi de perto com os que estão, ou estavam abrigados; percebi as dificuldades deste projeto, assim como, da falta de sensibilidade generalizada… Mas o empenho e os resultados falaram por si. Agora, infelizmente, esperamos pelo pior e como denuncia o meu amigo e ativista Daniel Horta Nova, existem negócios e outros interesses com a pobreza que prejudicam ainda mais «gente que quer ser gente»[1].
Assistimos à politização do que devia ser comunitário/social e desta forma, não só aumenta a divisão, como surgem situações vergonhosas de compadrio, que levam muitas pessoas a não tomarem posição para não serem penalizadas. Pois mais vale acenar a “bandeirinha e ser simpático” … Jorge Coelho avisou:” quem se mete com o PS, leva!”. Em 2015, em plena campanha eleitoral, Carlos Silva, Secretário-geral da UGT repetiu a ameaça e a verdade é que elas vão acontecendo...
Assistimos à canibalização política com um sistema assistencialista/partidário que entregou serviços sociais a privados e onde os políticos com poder alimentam a sua chafurdice. Ainda me choca mais, quando vejo pseudossindicalistas a lutarem por anular direitos a trabalhadores e a “sindicalizarem” de forma estalinista serviços de utilidade pública. Portalegre vive de guerras de capelinhas, onde só interessa dividir ou destruir. Quem perde é Portalegre!
Neste país em que recentemente PS, PSD e CDS troçaram e traíram literalmente os professores é o mesmo país em que Camões morreu na miséria, José Duro foi enterrado numa vala comum e Fernando Pessoa foi ignorado, enquanto vimos criminosos serem condecorados…
Por cá, a barragem do Pisão continua a ser um déjà vu, as chaminés da Robinson e a ponte da Barragem do Fratel ainda não caíram; a casa dos Sem-Abrigo, ainda tem “teto” e de recurso em recurso, está tudo por um fio, à espera da ordem que se pode encontrar no título de mais um livro do Rui Cardoso Martins, “Levante-se o Réu”!
1] Daniel Horta Nova in “Farrapos de Alma”

Paulo Cardoso in "Desabafos" - 17-05-2019 - Rádio Portalegre