Mostrando postagens com marcador desabafos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador desabafos. Mostrar todas as postagens

6.11.22

DESABAFOS: O ódio e a arrogância perderam

Estive novamente em Roma em representação da Federação das Associações de Dadores de Sangue, FAS Portugal. Uma reunião de trabalho com o Comité Executivo da Federação Internacional dos Dadores de Sangue (FIODS), onde se discutiram assuntos importantes para o presente e para o futuro da Dádiva de Sangue.
Tive a oportunidade de voltar a visitar aquela bela e histórica cidade. Não me escapou, novamente, admirar o emblemático Coliseu, onde no passado ocorreram as tristes barbáries de mortes humanas e de animais selvagens como elefantes e leões. Mas, também, serviu para outras atividades culturais da altura. No século XVII, foi considerado pelo Papa Bento XIV, lugar sagrado; uma contradição, quando neste Coliseu foram executadas pessoas por serem cristãs, como foi o caso de Inácio de Antioquia, discípulo do apóstolo João.
Depois de passar pelo Fórum Romano e ao atravessar a Piazza Venezia, além dos imensos turistas, estava um aglomerado de pessoas que aplaudiam a presença da recente eleita, Giorgia Meloni que se dirigia para o monumento conhecido como Altare della Patria, para colocar uma coroa de flores na cripta[1] do “Soldado Desconhecido”[2].
Foi neste Altare della Patria, também conotado com o fascismo, que o “Duce”, Benito Mussolini, depois da Marcha sobre Roma em 1922, proferiu um discurso que marcou este local como o altar do fascismo; onde posteriormente o ditador proferiu muitos discursos de ódio, um século antes de Meloni tomar o poder em Itália.
Vi várias mulheres a aplaudir a neofascista Meloni e perguntei-me que contradição é esta, que coloca mulheres a votarem e a aplaudirem alguém, que é o oposto do feminismo como escreveu a escritora italiana Veronica Raimo no jornal Domani (30-10-2022). Ainda neste jornal, é tema de capa, que a covid e a normalidade não se impõem por decreto, numa alusão à medida de Meloni de ter decidido, que as vacinas não são obrigatórias para os profissionais de saúde. Mais uma contradição, quando os números estão a crescer e se espera uma nova vaga, com a aproximação do inverno. Meloni, também recebe palmas dos antivacinas e a admiração dos seus hooligans.
Esta admiradora de Mussolini, que quer reescrever a Constituição italiana, fechou os olhos, quando cerca de duas mil pessoas comemoravam o centenário da marcha de Mussolini sobre Roma e faziam a saudação nazi-fascista, comemoração que é ilegal em Itália. No entanto, Meloni quer que, festas com mais de 50 pessoas, sejam obrigadas a licenciamento. Mas nada disto é contraditório, já que no seu governo há quem tenha sido fotografado com uma braçadeira nazi, com o símbolo da suástica e querem recuperar a dita “ordem pública” fascista.   
Ao passar pela Praça de S. Pedro, não consegui evitar olhar para a janela, onde o Papa Francisco costuma fazer as suas homilias dominicais e a tradicional oração do Angelus. É um homem que admiro pela sua coragem e pelos valores fraternos que defende. Percebo bem a razão porque a extrema-direita e alguma direita não gosta deste homem. Ele fala em defesa dos direitos humanos e é contra a miséria, a desigualdade, o racismo e a xenofobia. Como é que se vota em gente que defende o contrário? Jesus falava de amor, de igualdade, uma vida sem egoísmos e sem luxos…
Apesar da falta de tempo e do contrarrelógio para apanhar o avião, ainda percorri a Via del Corso em direção à emblemática Piazza del Polpolo, a Piazza di Spagna e fiz a paragem obrigatória na Fontana de Trevi. Esta fonte, foi destacada pelo grande realizador de cinema, Federico Fellini, no célebre filme, La Dolce Vita, uma crítica à sociedade italiana decadente, com os atores Anita Ekberg e Marcello Mastrojanni.
Ao longo desta crónica, relatei algumas contradições que me fizeram meditar nesta minha visita a Roma. Tivemos contradições no passado, temos no presente e desconfio que no futuro teremos que enfrentar novas contradições. Um dos grandes problemas assenta na literacia política que é miserável. Por isso, Trump, Bolsonaro, Meloni, Orbán e Ventura, entre outros, conseguem tantos votos.
Mas quando cheguei a Portugal, fui recebido com uma boa notícia, Jair Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro a falhar uma reeleição apesar das suas manigâncias. É uma lufada de ar fresco que pode voltar a unir os brasileiros e a recuperar a Amazónia. O ambiente, a ética e a democracia venceram, o ódio e a arrogância perderam.
* Paulo Cardoso in Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre / 4-11-2022
[1] cripta projetada por Armando Brasini.
[2] Giorgia Meloni homenageia caído no Altare della Patria (mediaset.it)


23.1.22

OPINIÃO: Então do que estamos à espera?

 
Existem conceitos que já são dados adquiridos; refiro-me aos direitos humanos. É por causa disso, que quase à boca das urnas, não consigo deixar de ficar de boca aberta, quando me apercebo que um partido político sem um programa exequível e com muitas manobras perigosas, tem pretensões a ser a terceira força política no parlamento.
Ficava dececionado comigo mesmo, que até tenho amigos adeptos do Chega, se não desse o meu testemunho para os ajudar a libertar deste tipo de vigarice política. A origem deste partido, cujo ideólogo é Diogo Pacheco de Amorim, fundador do movimento terrorista MDLP de extrema-direita, não engana quem esteve sempre atento.
Não falando da origem dos financiamentos, prefiro falar das características dos candidatos do Chega e do que pretendem para o país. Basta percebermos o currículo e a idoneidade de vários candidatos, para percebermos de que tipo de pessoas estamos a falar. Que me perdoem aqueles que realmente são idóneos, mas, também não percebo o que andam a fazer nesta farsa. Confesso que me preocupa a quantidade de pessoas que se curvam perante a demagogia e a mentira.
André Ventura fala a linguagem que muitos adoram, o “futebolês” e o «rambolês» e por isso não é de admirar esta aceitação fanática. Felizmente a agenda do país não é a agenda do Chega. Precisamos discutir os assuntos importantes para o país e não os acessórios, vistos de uma forma extremista e sem elevação. O debate de Ventura com Francisco Rodrigues dos Santos, revelou o pior que podemos assistir na política. O discurso de Ventura, é um discurso de ódio e discriminação.
Não é compreensível que haja partidos que funcionem como seitas e que apesar de “pregarem” o contrário, querem manter as políticas de direita que tantos prejuízos dão à população e ao país. Exemplo disso, são os Visto Gold defendidos pelo PS, pela direita e a extrema-direita, que garantem assim o crime económico e a especulação imobiliária. Outro exemplo está nas privatizações de sectores estratégicos como os CTT, a EDP e a REN; também as parcerias público-privado têm arruinado e atrasado o país. Para quem se diz antissistema, defende o que este sistema tem de pior, a favorecer os mais ricos e a perseguir os mais pobres. E estão prontos para coligar com o sistema…
É importante termos a inteligência de saber distinguir a verdade da mentira, o interesse público, do interesse privado. A escolha do voto está entre proteger os interesses dos milionários, ou os interesses de quem trabalha. Não vale a pena insistir na tese de que temos de abrir uma autoestrada sem limites para o empregador criar postos de trabalho. O equilíbrio é muito importante e esse, não existe. E há partidos que querem desequilibrar ainda mais.
Outra retórica populista do Chega, está em querer cortar nos salários dos deputados e não quer falar do que se gasta com consultadorias e assessorias. Outro exemplo: onde é que a prisão perpétua resolve os problemas da justiça ou do país? Este retrocesso civilizacional é que dá desenvolvimento ao país? E como é que as pessoas não se ofendem, quando Ventura diz que somos um país de vadios? O Chega está a dividir a direita e a dar de bandeja a vitória ao PS; esvazia o CDS e enfraquece o PSD, com isso contribui para o sonho de António Costa em ter a maioria absoluta. E como diz o próprio Costa, “os portugueses guardam más memórias das maiorias absolutas”.
Outro dado preocupante da extrema-direita é falar sem dados concretos[1] e o uso sistemático de notícias falsas. Muitos, deixam-se levar por esta propaganda de notícias de falsos jornalistas e pela publicidade de movimentos negacionistas e nacionalistas. Já agora, porque razão o Papa Francisco irrita tanto a extrema-direita? Homem simples que fala de justiça, amor ao próximo e não de ódio.
Dizer que o PS governou à esquerda quando votou mais ao lado do PSD é outro engano. Outro dado preocupante é comparar, ou encostar o Bloco de Esquerda a governos que dizem ter sido comunistas, sem saberem sequer o que é o comunismo. Não pode valer tudo, é um exercício de extrema ignorância, mas, também de má fé. Por isso, é importante não aceitarmos mentiras e cambalhotas de alguns políticos como o Ventura ao serviço de interesses poderosos.
Se, para André Ventura, a derrota é ficar atrás do BE, então do que estamos à espera?
* Paulo Cardoso - Rádio Portalegre - "Desabafos"21-01-2022

[1] https://www.publico.pt/2022/01/18/politica/noticia/andre-ventura-admite-nao-dados-casos-subsidiodependencia-portugal-bandeiras-chega-1992326


4.1.22

OPINIÃO: Natal que não é para todos

Segundo os Censos 2021, Portugal perdeu mais de duzentos mil habitantes e continuamos a envelhecer. Regista-se ainda, que 43,4% da população é solteira e que cada vez mais as pessoas vivem sozinhas; há mais divorciados do que viúvos. Portugal é um dos países da Europa com maiores índices de envelhecimento e de desigualdade.
Enquanto falta para o que é essencial, o dinheiro continua a fugir indevidamente para os mesmos de sempre. Bruxelas denunciou benefícios fiscais indevidos, no III regime da Zona Franca da Madeira, onde empresas receberam benefícios fiscais sem qualquer controlo, sistema defendido por PS, PSD e CDS. E quando no parlamento no passado dia 19 se votou o pacote de medidas anticorrupção e da criminalização da riqueza injustificada nos cargos políticos, que tanto lesam as finanças públicas, André Ventura faltou à chamada para poder confraternizar com neofascistas em Bruxelas.
O caso Rendeiro é um exemplo de como tudo é possível, num país onde faltam meios para a investigação e controlo judicial, quando os governos que temos tido, teimam em permitir a corrupção ligada aos grandes grupos económicos, enquanto outros faltam às suas responsabilidades.   
É sabido que os baixos salários dão origem a um país pobre, com crescimentos medíocres. A diferença do governo Costa em relação aos do PSD/CDS, tem a ver com esta visão, mas perante a situação atual, exigia-se um PS mais arrojado que não falasse apenas em querer tirar milhares de pessoas da pobreza até 2030, sem ser consequente. Acontece que a realidade é negra e o risco de pobreza aumenta, a afetar em especial as mulheres idosas.
Nas melhores prendas deste ano, destaca-se de longe a vacina da covid-19, mas a guerra ainda não está ganha e os negacionistas são uma pedra no sapato da solução. Alguns e até de “proa”, começam a recuar depois de infetados. A maior parte dos infetados internados, são, não-vacinados. Outra boa prenda, foi o afastamento de Trump, que de per si deu um pouco mais de dignidade à política internacional, mas outros maus exemplos continuam a espalhar indecência.
Nas piores prendas, tivemos o orçamento chumbado porque não serve o país; o vulcão em La Palma agora a dar tréguas e que provocou a evacuação de milhares de pessoas; as questões ambientais que continuam sem solução à vista, com destaque para a desflorestação na amazónia, com Bolsonaro a ilustrar o pior que existe na liderança de um país. O ano termina com a notícia vergonhosa, mais uma vez a denunciar a forma miserável como os emigrantes no concelho de Odemira são tratados. Sete militares da GNR foram constituídos arguidos por terem abusado da autoridade, humilhando e abusando de forma sádica, quem tenta sobreviver a trabalhar em Portugal.
E para 2022, o que podemos esperar? A continuidade na luta contra a covid-19, com as medidas a serem agravadas depois de amanhã. A variante Ómicron, veio atrasar os progressos que já tínhamos alcançado com a vacinação. Os contágios, agora são mais fáceis e a taxa do índice de transmissibilidade (RT) está a assustar. Agora é importante investir no rastreamento e continuar o processo de vacinação.
Muitas famílias já estão a limitar as suas festas de Natal e as passagens de ano já estão comprometidas. Ainda assim, sabemos que muitas pessoas vão abusar e que em janeiro do próximo ano vamos ter, decerto, más notícias.
Estamos no Natal, uma época em que se gasta acima das necessidades e muitas vezes das possibilidades, uma atitude contraditória para comemorar o nascimento de quem viveu a pregar a partilha e o repúdio pela grandeza. Se dependesse de Jesus, os Salgados, Rendeiros e Pinhos deste país tinham o inferno garantido, caso ele existisse.
Aquecimento no natal não é para todos, a comida na mesa, também não e, a segurança nos convívios ainda não existe. Depois temos a disputa por mesas de Natal com as famílias a dividirem-se e a exibição nas redes sociais, de mesas fartas, lareiras acesas, muitas prendas, em contraste com muitas tristes realidades, num Natal que não é para todos.

Paulo Cardoso - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 24/12/2021



14.2.21

OPINIÃO: O Ensino a balões de oxigénio

À distância, as aulas recomeçaram em casa e a regra é desenrascar. A eletricidade é a mais cara da Europa, não há internet para todos, é cara, para muitos não tem qualidade e a tarifa social, está por implementar. Os prometidos computadores ainda estão a ser distribuídos e os professores, mais uma vez pagam as suas ferramentas, quando não podem deduzir no IRS, nem um simples lápis que compram para trabalhar. Muitos foram obrigados a investir para garantir o ensino à distância, enquanto o governo ignorou o estatuto do teletrabalho que impõe a privados.
A comunidade escolar serviu de carne para canhão, valeu tudo para manter as Escolas abertas, sem testar, inclusive pessoas de risco que trabalham nas escolas. Todos fecharam os olhos e fingiram que os jovens não tinham comportamentos de risco. Não há escolas seguras com salas lotadas e sem rastreios generalizados. Este risco que foi infligido, prova a grande importância que tem o ensino presencial, mas que tem sido tão descurado por vários governos. Os argumentos do ministro da Educação, foram no mínimo ridículos ao defender a abertura das escolas neste cenário de guerra, com a teoria de que os alunos podiam desenvolver cancro ao ficarem em casa.
O indesejado fecho temporário das Escolas, só prova que todos falhámos. Falham os transportes e falham as políticas de educação; o PS e a direita chumbaram propostas de redução de número de alunos por turma, que não só melhorava o ensino, como nesta altura resolvia o excesso de alunos em sala de aula em plena pandemia. Falhou o planeamento, fruto da teimosia do governo de Costa. Falhou o investimento prometido para que nenhum aluno ficasse para trás.
Presencial ou à distância, é importante que os alunos tenham acesso à aprendizagem; essa é a sua verdadeira construção. Mas a covid-19 veio desmascarar a falta de equidade no ensino com uma linguagem e comportamentos de elite, fruto de assimetrias inqualificáveis. A pedagogia de diferenciação é artificial e assenta em relatórios demagógicos. Os professores passaram da pedagogia à burocracia e o ensino assenta em estatísticas viciadas.
Os professores nem nos fim-de-semana, conseguem livrar-se da carga burocrática e organizativa a que foram sujeitos. Se o aluno tem más notas, antigamente era uma dor de cabeça para os alunos e pais, agora é para os professores, que têm de justificar essa falta de aproveitamento. É um convite para os professores colocarem as notas em saldo. Mas em saldo não estão as propinas, que continuam a funcionar como as taxas moderadoras na saúde, para discriminar cidadãos no seu acesso constitucional à saúde e ao ensino.
Muitos professores são deslocados para longe das suas famílias e em muitos casos, o que ganham, não chega para as despesas. Pagam bem caro a sua desunião, a falta de unidade de classe com uma percentagem de sindicalizados vergonhosa; enquanto alguns descansam nos seus cadeirões do comodismo e do amiguismo. Por isso, ser professor é cada vez menos atrativo e perspetiva-se um recuo ao tempo em que foi necessário recorrer a alunos com o antigo propedêutico, para darem aulas.
A carreira atravessa situações obscuras, com políticas que colocam professores contra professores. As avaliações dos professores e a progressão na carreira, é um processo nebuloso e injusto, mantido no segredo das manipulações de gabinete. A somar, ainda foram roubados em tempo de serviço (6,5 anos).
As Escolas vivem com limitações, restrições financeiras, técnicos operacionais, mal pagos e edifícios com necessidades urgentes. E o Estado responde com a municipalização do ensino, ou seja, desresponsabilização do Estado. Vai transferir competências para as autarquias e comunidades intermunicipais. Explicando melhor, PS e PSD (unidos) atiram para essas entidades, a responsabilidade do que, vários governos não quiseram fazer. Acreditarmos que a municipalização vai resolver os problemas graves que temos, é como acreditar no Pai Natal. Um dia, se o povo abrir os olhos, vai perceber que PS e PSD (unidos) destruíram a qualidade da escola pública.
A sensatez exige um regresso gradual à escola e com um sistema misto, presencial e à distância. A situação é muito complicada e uma resposta fraca origina uma derrota forte. O governo de Costa é um governo super teimoso; insistiu até à última no ensino presencial, esquecendo que era preciso um plano “B” e à força, teve de se vergar à realidade e deixou o ensino a balões de oxigénio…
Paulo Cardoso - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 12/02/2021

11.4.20

OPINIÃO: A Ressurreição não é para todos

Ouvem-se as mais inspiradas teorias da conspiração e outras que apontam o COVID-19 como uma defesa da natureza, ou castigo de Deus, qual praga infligida aos egípcios. Prefiro recordar o escritor de ficção científica, Isaac Asimov, com a sua afirmação: “Apenas uma guerra é permitida à espécie humana: a guerra contra a extinção”. Contudo a realidade mostra-nos que a espécie humana é a mais perigosa, em especial quando desequilibra a biodiversidade e destrói ecossistemas que nos protegeram durante toda a nossa existência.
Agora, as pessoas devem valorizar melhor o SNS, depois de verem alguns “bestiais” serviços de saúde privados, a voltarem as costas às pessoas! O SNS resistiu aos ataques e felizmente ainda existe; é o principal garante da sobrevivência das pessoas. Espera-se que esta dura lição leve as pessoas a repensar o modelo de vida egoísta e desta sociedade consumista. E já agora, que se perceba que sem pessoas, não há economia…
Se não aprendermos com esta lição, a precariedade pode ser a regra, a finança a nossa religião e a direita pode refazer a sua estratégia. André Ventura deu o exemplo do verdadeiro populista com a sua “demissão”! Esperemos que além dos polícias, também se preocupe com a falta de condições dos médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares e bombeiros, entre outros.
Com a Alemanha e a França a entrarem em recessão, o ministro das finanças holandês, ficou preocupado com a falta de capacidade financeira da Espanha, perante uma pandemia global; a Europa em desconstrução mostra a sua desunião e ineficácia, quando era mais precisa e recorda a sua vocação para injetar dinheiro no sistema financeiro, no lugar de apoiar diretamente os Estados membros.
Pagamos milhões de euros à Turquia para estancar os refugiados, mas estanca os ventiladores vitais pagos pelos espanhóis; França e EUA, também estão a reter material destinado a salvar espanhóis e italianos. Vale tudo e a ONU não passa de um muro de lamentações que viu impávida, Trump a levar a sua estupidez ao extremo, com Bolsonaro e Boris Johnson a reboque desse irresponsável populismo.
Com o medo provocado por este novo vírus, esquecemos os “vírus” da incompetência do Banco de Portugal e da corrupção no Conselho da Magistratura entre outros. Agora, a hora é de salvar populações! Mas o medo é relativo e no sistema público, exceto o “colarinho branco”, andam técnicos e forças de segurança de distritos para distritos, aparentemente imunes. É um país que continua a várias velocidades, com pessoas a mostrarem que somos grandes e outras a mostrarem que somos irresponsáveis.
Apesar das gafes sobre a falta de material, nem se pode dizer que, o governo ande mal, mas nem a especulação sobre bens essenciais consegue controlar. Agiu tarde na emergência sanitária, em especial nas pessoas institucionalizadas, na proteção às vítimas dos predadores laborais; falhou à maioria, às pequenas e microempresas, assim como aos empresários em nome individual que tanto incentivaram; a falta de solidariedade para com os mais vulneráveis e a falta de atitude para com o oportunismo de grandes empresas com os despedimentos e um lay-off desajustado.
Na Educação assiste-se a um impasse incompreensível e um conhecido sindicalista foi “trucidado” por afirmar que os professores estão exaustos… foi vítima da sua falha de comunicação – os professores já estavam exaustos antes desta pandemia e agora estão desorientados com um Ministério a patinar, os alunos a esperar e os pais a desesperarem…
Mas, num cenário político consciente favorável, o governo PS tem o mérito de assumir e tentar resolver os problemas a tempo, reconhecendo que um governo lento, pode originar um país condenado. Há um esforço nacional que envolve autarcas, movimentos sociais e até o cidadão que cumpre e contribui para a vitória nesta guerra que mesmo assim vai deixar muitas marcas. A vitória vai ser dos que lutaram e disseram sim ao combate ao Covid-19. Para a recuperação já existem propostas – haja coragem! As comemorações do 25 de Abril, também ficam de quarentena e percebe-se, mas o que já devia ter saído de anos de quarentena, é o espírito de Abril… E já agora, não ponham a sensatez de quarentena, é que podemos vir a ter réplicas desta pandemia. Estamos na época da ressurreição, mas acreditem que tal como as oportunidades na vida, a ressurreição não é para todos.
Paulo Cardoso -10-04-2020 - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre

12.10.19

OPINIÃO: Com duas palas nos olhos

Em tempo de seca “severa e extrema”, votámos em deputados, mas corremos o risco de ter um ministro da defesa escolhido pelo PS que não sabe o que é um paiol. Com alguma dificuldade, os eleitores já percebem que não se vota para um governo, mas sim para o parlamento; mas a abstenção continua a retratar um povo alheado dos seus destinos. O discurso continua a falhar e exemplos desses temos muitos.
Portugal ouviu no 10 de Junho, João Miguel Tavares, um assumido liberal de direita, reconhecido intelectual alfacinha, mas nascido em Portalegre. Durante semanas, as atenções viraram-se para este arrivista que apenas disse o que sente, mas não diz quais são as ideias novas que pede no seu discurso demagógico, durante um desfile de militares que nem um paiol conseguiram guardar…
O “Éder” do 10 de Junho é um jogador de um campeonato populista com um discurso a condizer, com o que a maioria gosta e sem indicar caminho, exige aos políticos que critica, que nos deem algo em que acreditar. Pessoalmente, confesso que a parte intimista foi desajustada, mas apresentou um discurso que a direita em crise, não conseguia fazer passar.
Amado e odiado, o alarido foi demasiado empolgado, com esta “encomenda” do presidente Marcelo que podia ter optado pelo professor Ventura, ou Rui Cardoso Martins, ilustres que dão nome a Portalegre. Marcelo não queria promover Portalegre, quis afrontar a classe política a que sempre pertenceu e assim, teve em JMT um discurso antissistema que ele não podia fazer.
JMT um defensor pelo respeito da memória de Salazar, esse ditador assassino cujas feridas ainda estamos a lamber, limita-se a criticar sem lutar e sem dar a cara por propostas. Só se esqueceu de dizer, ao colocar o dedo nas várias feridas que nos assolam, que ele, nada fez pela mudança. Atrevo-me a um palpite de que, defendeu este tipo de políticas que agora condena. Até aceito que tem razões pessoais para pedir algo em que acreditar, pois se até a austeridade e a operação Lava Jato que tanto defendeu, o atraiçoaram…
Aliás, pouco tempo depois, Ramalho Eanes imitou JMT, ao afirmar que somos um país de corruptos. Também este recebeu aplausos em toda a linha de um país com memória curta que se esquece facilmente, até de que, Eanes apoiou a candidatura de Cavaco, que por sua vez, foi patrocinada de forma ilícita por Ricardo Salgado. JMT já condenou os offshores, o verdadeiro império da corrupção? É que, só em 2018 saíram de Portugal, 9 mil milhões € para paraísos fiscais…
Do que percebi da parte intimista, ele faz parte da geração que eu apelido dos acomodados – a minha geração! Daqueles que afirmam não esquecer as origens, mas nada fazem pela terra onde nasceram e acham, que estão num nível superior e sem tempo para aturar lagóias e egocêntricos, como nos apelidou Marcelo. Ele usufruiu de uma luta, mas nada fez para garantir essas conquistas! Também, não ataca o centralismo que definiu a A1 como uma fronteira entre o país e o “deserto”; até podia ter dito que os que os governantes deviam ter vergonha na cara, pelas portagens da A23. Mas ele nunca lutou contra as políticas que condenam o interior e que fazem inclinar o país para o mar.
Vivemos no país das cunhas, das “famílias de bem” e das desigualdades de oportunidades; JMT, também falou disto e sabe do que fala… é o país da corrupção que nunca combateu, mas ao contrário, critica os que verdadeiramente querem combater este flagelo. Não se pede aos políticos que nos deem algo em que acreditar, somos nós que temos de lhes dizer no que acreditamos e o que queremos! Temos que nos manifestar, dar a cara e assumir posições… Falar de camarote com um discurso encomendado, não resolve nada e a maioria esquece.
O centralismo e esta espécie de regionalização encapotada, promovida por vários governos, são a base do problema que despovoa o interior. Este modelo de organização incompetente e a falta de investimento são a vergonha dos que mentem à boca cheia, ao afirmarem preocuparem-se com o interior. E sobre este assunto, o funcionamento das maternidades diz-nos tudo, a par do desaparecimento de serviços públicos. Os casos CTT, Galp, PT, CGD e EDP são escandalosos! E não é por acaso que temos indicadores de que Portugal é o terceiro país do mundo, onde menos se acredita nos governantes, com um Banco de Portugal a falhar em toda a linha.
Conta a lenda que Camões usava uma pala por ter perdido em combate a vista direita, mas por favor, não nos queiram retratados com duas palas nos olhos…
Paulo Cardoso - Crónica -  "Desabafos" / Rádio Portalegre - 11/10/2019

22.5.19

OPINIÃO: "Levante-se o réu!"

Desde jovem que olho para as chaminés da Corticeira Robinson em que o fumo negro matava e o fumo branco alimentava muitas famílias. Por isso, achei curioso ver essas chaminés, na capa do primeiro livro do Rui Cardoso Martins - “E se eu gostasse muito de morrer”; um romance, numa cidade deprimida no interior esquecido, onde «até o coveiro se mata».
No entanto, não é disso que quero falar agora.
Sempre considerei a Fundação Robinson um “elefante branco” com investimentos duvidosos; movimentos de verbas não explicadas e o comprovado definhar do património físico e fabril, a provar que o propósito inicial falhou; para não falar da forma como foram espoliados os trabalhadores, vítimas de uma insolvência criminosa, para alimentar vaidades que continuam a cair como pedras de dominó, num jogo de interesses… Nem políticos, nem sindicalistas se opuseram à criação de uma Fundação que como outras, tem servido para roubar os trabalhadores nos seus direitos legais.
O mais complicado é perceber que os eleitos na Assembleia Municipal de Portalegre viabilizaram até aqui, esta Fundação sem uma auditoria à sua atividade. Já agora e mudando de assunto, recordo que a questão dos parquímetros que considero danosa, contínua à espera dos ajustes prometidos pela CLIP, para dar alguma decência a este processo, ao comércio e aos automobilistas.
Felizmente, Portalegre ainda tem pessoas que lutam e insistem em dar a esta cidade o alento que merece; nas artes, na cultura, no desporto e outras áreas. No voluntariado sou testemunha do excelente trabalho na dádiva de sangue, que nasceu pelas mãos do saudoso António Eustáquio; também, de quem achou que Portalegre precisava de uma Cooperativa de Habitação verdadeiramente social e com um trabalho estoico, Rui Antão deu muito de si a Portalegre ao lutar contra o poder dos empreiteiros apoiados por Câmaras PSD e PS. Acabou por ver a crise financeira destruir um projeto que garantia casas condignas a custos controlados, combatendo a especulação.
Quando se venceu a barreira do ano 2000, em que supostamente o mundo acabaria, na Nazaré onde passo férias desde miúdo, não consegui conter a emoção ao assistir num noticiário, o meu conterrâneo Joaquim Herculano, a anunciar a abertura da Casa dos Sem Abrigo em Portalegre. Nesta cidade que perdeu a Lanifícios, a Johnson Controls e a Corticeira Robinson, nessa mesma década, perante a apatia centralista e criminosa de governos PS e PSD.
Antónia Chambel, uma mulher dedicada e com princípios muito elevados, reconhecidos nesta cidade, transformou o acolhimento dos Sem-Abrigo numa comunidade familiar. Eu próprio convivi de perto com os que estão, ou estavam abrigados; percebi as dificuldades deste projeto, assim como, da falta de sensibilidade generalizada… Mas o empenho e os resultados falaram por si. Agora, infelizmente, esperamos pelo pior e como denuncia o meu amigo e ativista Daniel Horta Nova, existem negócios e outros interesses com a pobreza que prejudicam ainda mais «gente que quer ser gente»[1].
Assistimos à politização do que devia ser comunitário/social e desta forma, não só aumenta a divisão, como surgem situações vergonhosas de compadrio, que levam muitas pessoas a não tomarem posição para não serem penalizadas. Pois mais vale acenar a “bandeirinha e ser simpático” … Jorge Coelho avisou:” quem se mete com o PS, leva!”. Em 2015, em plena campanha eleitoral, Carlos Silva, Secretário-geral da UGT repetiu a ameaça e a verdade é que elas vão acontecendo...
Assistimos à canibalização política com um sistema assistencialista/partidário que entregou serviços sociais a privados e onde os políticos com poder alimentam a sua chafurdice. Ainda me choca mais, quando vejo pseudossindicalistas a lutarem por anular direitos a trabalhadores e a “sindicalizarem” de forma estalinista serviços de utilidade pública. Portalegre vive de guerras de capelinhas, onde só interessa dividir ou destruir. Quem perde é Portalegre!
Neste país em que recentemente PS, PSD e CDS troçaram e traíram literalmente os professores é o mesmo país em que Camões morreu na miséria, José Duro foi enterrado numa vala comum e Fernando Pessoa foi ignorado, enquanto vimos criminosos serem condecorados…
Por cá, a barragem do Pisão continua a ser um déjà vu, as chaminés da Robinson e a ponte da Barragem do Fratel ainda não caíram; a casa dos Sem-Abrigo, ainda tem “teto” e de recurso em recurso, está tudo por um fio, à espera da ordem que se pode encontrar no título de mais um livro do Rui Cardoso Martins, “Levante-se o Réu”!
1] Daniel Horta Nova in “Farrapos de Alma”

Paulo Cardoso in "Desabafos" - 17-05-2019 - Rádio Portalegre

13.10.14

OPINIÃO: Desabafo(s) e... nada mais!

Nesta foto estou eu e a minha Mãe num lar em junho deste ano.
Quando construí a minha casa fiz um quarto a pensar que um dia quando minha Mãe fosse velhinha terminaria aí os seus dias.
Infelizmente em setembro do ano passado tive que procurar um lar para minha Mãe, as circunstâncias da vida não me permitiram cuidar Dela.
A minha Mãe trabalhou uma vida inteira para patrões que nunca lhe fizeram descontos para a Segurança Social por isso apenas tem uma reforma de 300 euros.
A minha Mãe é o exemplo de MÃE, doente dos ossos desde nova criou dois filhos com muitos sacrifícios, sempre me lembro do meu Pai doente e morreu com 54 anos.
A minha Mãe já não tem o aspeto desta foto, foi definhado aos poucos naquele lar, hoje está amarrada a uma cadeira de rodas ou numa cama, tanto gritava como gemia, queria vir para Nisa…hoje só geme…continua a querer vir para o lar de Nisa mas perdeu a força e a vontade de viver, está com demência isquémica e infeção renal ( no dia 5 de outubro esteve todo dia nas urgências de um hospital, mas foi reencaminhada para o lar, “já tem 82 anos”).
Em Nisa há dois lares; o dos ricos (com vagas) e o dos menos ricos que sinceramente não sei se tem camas livres ou não e também não sei muito bem como se lá entra…
A minha Mãe está inscrita no dos menos ricos (antigo asilo para carenciados) há um ano, mas na altura da inscrição disseram-me logo que havia mais de oitenta velhinhos a sua frente, mas também me iam dizendo para falar com este e com aquele que ela entraria… apenas sei que há tempos me disseram que ela ia entrar “dentro de dias” pela segurança social, mais tarde disseram-me que já não entrava por já estava numa instituição…mas se conhecesse bem o fulano da tal segurança social talvez…Nesse dia tive vontade de por a minha Mãe num carrinho de supermercado e depositá-la em frente a um qualquer lar de Nisa…
A minha Mãe já não tem muito mais tempo de vida, continua a sonhar com o lar de Nisa, quando eu ou o meu irmão lá vamos, pensa sempre que a vamos trazer e nós desfazemos-nos em desculpas estúpidas…
Tirem as ilações que quiserem…um dia deste vou-me inscrever no asilo de Nisa, para se lá chegar ter vaga…
Sinto revolta e desânimo, só queria que a minha Mãe terminasse os seus dias na sua terra, próxima dos seus amigos...
Graça Moura