6.11.22

DESABAFOS: O ódio e a arrogância perderam

Estive novamente em Roma em representação da Federação das Associações de Dadores de Sangue, FAS Portugal. Uma reunião de trabalho com o Comité Executivo da Federação Internacional dos Dadores de Sangue (FIODS), onde se discutiram assuntos importantes para o presente e para o futuro da Dádiva de Sangue.
Tive a oportunidade de voltar a visitar aquela bela e histórica cidade. Não me escapou, novamente, admirar o emblemático Coliseu, onde no passado ocorreram as tristes barbáries de mortes humanas e de animais selvagens como elefantes e leões. Mas, também, serviu para outras atividades culturais da altura. No século XVII, foi considerado pelo Papa Bento XIV, lugar sagrado; uma contradição, quando neste Coliseu foram executadas pessoas por serem cristãs, como foi o caso de Inácio de Antioquia, discípulo do apóstolo João.
Depois de passar pelo Fórum Romano e ao atravessar a Piazza Venezia, além dos imensos turistas, estava um aglomerado de pessoas que aplaudiam a presença da recente eleita, Giorgia Meloni que se dirigia para o monumento conhecido como Altare della Patria, para colocar uma coroa de flores na cripta[1] do “Soldado Desconhecido”[2].
Foi neste Altare della Patria, também conotado com o fascismo, que o “Duce”, Benito Mussolini, depois da Marcha sobre Roma em 1922, proferiu um discurso que marcou este local como o altar do fascismo; onde posteriormente o ditador proferiu muitos discursos de ódio, um século antes de Meloni tomar o poder em Itália.
Vi várias mulheres a aplaudir a neofascista Meloni e perguntei-me que contradição é esta, que coloca mulheres a votarem e a aplaudirem alguém, que é o oposto do feminismo como escreveu a escritora italiana Veronica Raimo no jornal Domani (30-10-2022). Ainda neste jornal, é tema de capa, que a covid e a normalidade não se impõem por decreto, numa alusão à medida de Meloni de ter decidido, que as vacinas não são obrigatórias para os profissionais de saúde. Mais uma contradição, quando os números estão a crescer e se espera uma nova vaga, com a aproximação do inverno. Meloni, também recebe palmas dos antivacinas e a admiração dos seus hooligans.
Esta admiradora de Mussolini, que quer reescrever a Constituição italiana, fechou os olhos, quando cerca de duas mil pessoas comemoravam o centenário da marcha de Mussolini sobre Roma e faziam a saudação nazi-fascista, comemoração que é ilegal em Itália. No entanto, Meloni quer que, festas com mais de 50 pessoas, sejam obrigadas a licenciamento. Mas nada disto é contraditório, já que no seu governo há quem tenha sido fotografado com uma braçadeira nazi, com o símbolo da suástica e querem recuperar a dita “ordem pública” fascista.   
Ao passar pela Praça de S. Pedro, não consegui evitar olhar para a janela, onde o Papa Francisco costuma fazer as suas homilias dominicais e a tradicional oração do Angelus. É um homem que admiro pela sua coragem e pelos valores fraternos que defende. Percebo bem a razão porque a extrema-direita e alguma direita não gosta deste homem. Ele fala em defesa dos direitos humanos e é contra a miséria, a desigualdade, o racismo e a xenofobia. Como é que se vota em gente que defende o contrário? Jesus falava de amor, de igualdade, uma vida sem egoísmos e sem luxos…
Apesar da falta de tempo e do contrarrelógio para apanhar o avião, ainda percorri a Via del Corso em direção à emblemática Piazza del Polpolo, a Piazza di Spagna e fiz a paragem obrigatória na Fontana de Trevi. Esta fonte, foi destacada pelo grande realizador de cinema, Federico Fellini, no célebre filme, La Dolce Vita, uma crítica à sociedade italiana decadente, com os atores Anita Ekberg e Marcello Mastrojanni.
Ao longo desta crónica, relatei algumas contradições que me fizeram meditar nesta minha visita a Roma. Tivemos contradições no passado, temos no presente e desconfio que no futuro teremos que enfrentar novas contradições. Um dos grandes problemas assenta na literacia política que é miserável. Por isso, Trump, Bolsonaro, Meloni, Orbán e Ventura, entre outros, conseguem tantos votos.
Mas quando cheguei a Portugal, fui recebido com uma boa notícia, Jair Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro a falhar uma reeleição apesar das suas manigâncias. É uma lufada de ar fresco que pode voltar a unir os brasileiros e a recuperar a Amazónia. O ambiente, a ética e a democracia venceram, o ódio e a arrogância perderam.
* Paulo Cardoso in Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre / 4-11-2022
[1] cripta projetada por Armando Brasini.
[2] Giorgia Meloni homenageia caído no Altare della Patria (mediaset.it)