20.11.22

CRÓNICA: Obrigado, Fausto.

Fomos homenagear um genial músico. Um homem capaz de escrever as mais belas letras, compor as mais extraordinárias músicas e de orquestrar de uma maneira absolutamente genial
Nunca agradecerei o bastante ao amigo que, a poucas horas do espetáculo, me telefonou a dizer que tinha um bilhete para mim. Lá consegui ir ver o concerto de comemoração dos 40 anos do melhor álbum da história da música portuguesa.
Para mim não há dúvida nenhuma, mas para os menos afoitos em fazer declarações deste género, outro meu querido amigo resumiu bem a coisa: há alguém que possa sugerir um melhor?
O Fausto e a fantástica equipa de músicos e cantores cantaram o Por Este Rio Acima do princípio ao fim, não tentando o tão na moda “dar uma nova roupagem” e sim respeitar o original.
Nenhuma das pessoas que enchia a Aula Magna estava lá para ouvir o concerto. Todos conhecíamos de cor as músicas, todos as sabíamos cantar de trás para a frente e da frente para trás. Mais novos e mais velhos. Gente que comprou o duplo em vinil, os que tinham o CD e os que nunca olharam para aquela capa linda de morrer e simplesmente se deleitam a ouvir as músicas num qualquer serviço de streaming.
Fomos homenagear um genial músico. Um homem capaz de escrever as mais belas letras, compor as mais extraordinárias músicas e de orquestrar de uma maneira absolutamente genial. O Por Este Rio Acima é a obra-prima, mas é inacreditável o número de discos e canções notáveis que o Fausto escreveu. A triologia terminada com o Em Busca das Montanhas Azuis, iniciada pelo Por Este Rio Acima, com o Crónicas da Terra Ardente pelo meio chegava para o colocar no ligar cimeiro do Panteão, mas ele fez muito, muito mais.
Sobretudo, fomos agradecer ao Fausto tudo o que fez por nós. Todos os momentos que ele nos faz viver, as sensações, as histórias que ele nos conta de uma maneira de tal maneira sofisticada que parece magia tornar-se tão simples.
Estivemos na Aula Magna entre a vontade de agradecer e a de celebrar, meio embaraçados com a sorte que estávamos a ter por fazer parte daquele momento especial e talvez por isso cantamos pouco. Lembro-me dos concertos em que, aos berros, cantei a Rosalinda, a Atrás dos Tempos, o Namoro e a minha música cantada em português favorita, o Romance, do Diogo Soares.
Talvez tenha sido respeito, talvez um deslumbrado espanto, talvez não nos tivéssemos sentido dignos de entoar aquelas obras de arte à frente do criador, talvez a fragilidade da saúde do Fausto nos tocasse. Não sei. Eu cantei baixinho, só para mim, todas. Celebrei o meu passar dos anos com a passagem dos anos do Fausto. Cantei a minha presente e futura fragilidade como uma comemoração da vida que vivi e ele viveu e a que ainda temos para viver. Olhei para ele e vi pela milésima vez o quão os homens são perfeitos nas suas grandezas e nas suas misérias. Mas sobretudo vi que há homens que são mesmo diferentes e especiais. São os homens e mulheres que nos fizeram mais felizes, aqueles que por breves momentos fizeram da nossa vida um lugar lindo. 
Obrigado, Fausto. E desculpa tanto adjetivo, cheira-me que não os apreciarias, mas pronto, já vou que tudo me parece um sonho.
* Pedro Marques Lopes in Visão - 20.11.2022