16.11.22

OPINIÃO: Vem mais gente e fome a caminho

1. No ano em que nasci, 1968, havia 3500 milhões de habitantes na Terra. Em meio século de vida, vieram fazer-me concorrência pelos recursos do planeta mais do dobro, ou seja, 7200 milhões de pessoas.
E assim chegámos aos 8000 milhões. Problema número um: dar de comer a tanta gente (dentro de 15 anos seremos 9000 milhões). Os especialistas dizem-nos que a produção atual de alimentos é suficiente. Mas não é uma produção sustentável e vai piorar, uma vez que vai ter de crescer 70% até 2050. Se tivermos em conta que já é responsável por um terço das emissões de carbono e 90% da deflorestação, percebemos a catástrofe que se abaterá sobre as próximas gerações. Com ou sem carros elétricos.
2. Se ainda se pode dizer que a catástrofe ambiental está por chegar, a catástrofe social já assentou arraiais. Estima-se que um terço da comida produzida no Mundo não seja consumida (14% perde-se entre a colheita e o retalho; 17% é deitada fora nas lojas, restaurantes e pelos consumidores). O que ajuda a explicar que um pouco mais de 10% da população mundial (828 milhões de pessoas) passe fome. Se retirarmos Afeganistão e Iémen, adivinhem quais são os outros quatro países no topo do mapa da fome? Acertaram, são africanos: Etiópia, Nigéria, Somália e Sudão do Sul. Acresce que os dois primeiros (juntamente com a República Democrática do Congo) estarão entre os dez países mais populosos do Mundo dentro de poucos anos. Vem mais gente e mais fome a caminho.
3. O escritor Roberto Saviano (autor de Gomorra, sobre a máfia napolitana, que vive sob proteção policial desde 2006) está a ser julgado em Roma por difamar Giorgia Meloni. Chamou-lhe "bastarda" na televisão, depois da líder dos Irmãos de Itália ter exigido que os barcos que resgatam náufragos no Mediterrâneo fossem afundados e quando foi confrontado com a notícia da morte de um bebé guineense de seis meses num naufrágio. O que é que isto tem a ver com os pontos anteriores? Tudo. Nós, os do Mundo rico, vamos ter de optar entre acolher os que vão continuar a nascer e a fugir da fome em África, ou afundar os navios que os poderiam salvar. Em Itália, optaram pela barbárie: Giorgia Meloni é agora primeira-ministra.
* Rafael Barbosa in "Jornal de Notícias" - 16/11/2022