12.10.19

OPINIÃO: Com duas palas nos olhos

Em tempo de seca “severa e extrema”, votámos em deputados, mas corremos o risco de ter um ministro da defesa escolhido pelo PS que não sabe o que é um paiol. Com alguma dificuldade, os eleitores já percebem que não se vota para um governo, mas sim para o parlamento; mas a abstenção continua a retratar um povo alheado dos seus destinos. O discurso continua a falhar e exemplos desses temos muitos.
Portugal ouviu no 10 de Junho, João Miguel Tavares, um assumido liberal de direita, reconhecido intelectual alfacinha, mas nascido em Portalegre. Durante semanas, as atenções viraram-se para este arrivista que apenas disse o que sente, mas não diz quais são as ideias novas que pede no seu discurso demagógico, durante um desfile de militares que nem um paiol conseguiram guardar…
O “Éder” do 10 de Junho é um jogador de um campeonato populista com um discurso a condizer, com o que a maioria gosta e sem indicar caminho, exige aos políticos que critica, que nos deem algo em que acreditar. Pessoalmente, confesso que a parte intimista foi desajustada, mas apresentou um discurso que a direita em crise, não conseguia fazer passar.
Amado e odiado, o alarido foi demasiado empolgado, com esta “encomenda” do presidente Marcelo que podia ter optado pelo professor Ventura, ou Rui Cardoso Martins, ilustres que dão nome a Portalegre. Marcelo não queria promover Portalegre, quis afrontar a classe política a que sempre pertenceu e assim, teve em JMT um discurso antissistema que ele não podia fazer.
JMT um defensor pelo respeito da memória de Salazar, esse ditador assassino cujas feridas ainda estamos a lamber, limita-se a criticar sem lutar e sem dar a cara por propostas. Só se esqueceu de dizer, ao colocar o dedo nas várias feridas que nos assolam, que ele, nada fez pela mudança. Atrevo-me a um palpite de que, defendeu este tipo de políticas que agora condena. Até aceito que tem razões pessoais para pedir algo em que acreditar, pois se até a austeridade e a operação Lava Jato que tanto defendeu, o atraiçoaram…
Aliás, pouco tempo depois, Ramalho Eanes imitou JMT, ao afirmar que somos um país de corruptos. Também este recebeu aplausos em toda a linha de um país com memória curta que se esquece facilmente, até de que, Eanes apoiou a candidatura de Cavaco, que por sua vez, foi patrocinada de forma ilícita por Ricardo Salgado. JMT já condenou os offshores, o verdadeiro império da corrupção? É que, só em 2018 saíram de Portugal, 9 mil milhões € para paraísos fiscais…
Do que percebi da parte intimista, ele faz parte da geração que eu apelido dos acomodados – a minha geração! Daqueles que afirmam não esquecer as origens, mas nada fazem pela terra onde nasceram e acham, que estão num nível superior e sem tempo para aturar lagóias e egocêntricos, como nos apelidou Marcelo. Ele usufruiu de uma luta, mas nada fez para garantir essas conquistas! Também, não ataca o centralismo que definiu a A1 como uma fronteira entre o país e o “deserto”; até podia ter dito que os que os governantes deviam ter vergonha na cara, pelas portagens da A23. Mas ele nunca lutou contra as políticas que condenam o interior e que fazem inclinar o país para o mar.
Vivemos no país das cunhas, das “famílias de bem” e das desigualdades de oportunidades; JMT, também falou disto e sabe do que fala… é o país da corrupção que nunca combateu, mas ao contrário, critica os que verdadeiramente querem combater este flagelo. Não se pede aos políticos que nos deem algo em que acreditar, somos nós que temos de lhes dizer no que acreditamos e o que queremos! Temos que nos manifestar, dar a cara e assumir posições… Falar de camarote com um discurso encomendado, não resolve nada e a maioria esquece.
O centralismo e esta espécie de regionalização encapotada, promovida por vários governos, são a base do problema que despovoa o interior. Este modelo de organização incompetente e a falta de investimento são a vergonha dos que mentem à boca cheia, ao afirmarem preocuparem-se com o interior. E sobre este assunto, o funcionamento das maternidades diz-nos tudo, a par do desaparecimento de serviços públicos. Os casos CTT, Galp, PT, CGD e EDP são escandalosos! E não é por acaso que temos indicadores de que Portugal é o terceiro país do mundo, onde menos se acredita nos governantes, com um Banco de Portugal a falhar em toda a linha.
Conta a lenda que Camões usava uma pala por ter perdido em combate a vista direita, mas por favor, não nos queiram retratados com duas palas nos olhos…
Paulo Cardoso - Crónica -  "Desabafos" / Rádio Portalegre - 11/10/2019