21.5.19

CASTELO BRANCO: Deputada do PS conseguiu fundos europeus para projectos familiares concluídos há muito

A deputada Hortense Martins, líder do PS no distrito de Castelo Branco e mulher do atual presidente da câmara local, Luís Correia, conseguiu em 2010 um subsídio de 171 mil euros para a construção de um “Centro de Lazer e Turismo Gastronómico” aberto há dois anos.
Passados três anos obteve mais 105 mil euros para uma unidade de turismo em espaço rural que também já estava a funcionar à data da aprovação da respetiva candidatura. O dinheiro foi pago à Investel, uma empresa da família de Hortense Martins e da qual a deputada era gerente.
Os regulamentos comunitários dizem expressamente, de acordo com o Público, que os subsídios não podem ser aprovados se os projetos já estiverem concluídos aquando da decisão final sobre as candidaturas.
A aprovação foi da responsabilidade da Adraces, uma associação de desenvolvimento regional criada em 1992 pelas câmaras de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Penamacor e Vila Velha de Ródão, na qual os órgãos de gestão dos fundos europeus delegam algumas competências.
Na presidência da Adraces encontrava-se então Arnaldo Brás, vereador na Câmara de Castelo Branco, presidida pelo comendador socialista Joaquim Morão. No lugar-chave de diretor executivo e coordenador da equipa técnica da associação estava António Realinho, um economista que desde 1992 até agosto do ano passado acumulou as funções com as de vice-presidente e com a gerência de múltiplas empresas, nas áreas imobiliária e de elaboração de candidaturas aos fundos europeus.
Realinho que também foi professor da Universidade Lusófona, cumpre desde agosto de 2018 uma pena de quatro anos e meio de prisão por burla e falsificação em negócios relacionados com uma das suas empresas.
Em 2005, ano em que Hortense foi eleita pela primeira vez para a Assembleia da República, e antes da aprovação dos subsídios, a empresa decidiu expandir a sua atividade, até aí concentrada na exploração do Hotel Rainha Dona Amélia, em Castelo Branco.
Foi com esse objetivo e através da Martins & Irmão, uma firma de construção que também lhes pertencia, que Joaquim Martins e Adriano Martins, respetivamente pai e tio da deputada, adquiriram a Herdade do Regato, uma propriedade de nove hectares situada em Póvoa de Rio de Moinhos, nos arredores da cidade.
No final de 2006, apesar de não haver subsídios para aquele tipo de investimento, lançaram-se na conversão do antigo lagar de azeite da herdade em restaurante e na construção de raiz de um enorme centro de eventos e banquetes.
O pedido de licenciamento camarário só viria, porém, a ser apresentado em março de 2007, numa altura em que boa parte da empreitada já estava ilegalmente executada. O objeto do pedido consistia na “recuperação e ampliação de um conjunto de casas rústicas e sua adaptação a sala de espera e bar de apoio, e construção de uma sala de eventos com capacidade para 1000 pessoas”, com uma área total de implantação de 1928 metros quadrados. Nunca se falou num restaurante ou num “Centro de Lazer e Turismo Gastronómico”.
O projeto foi aprovado um mês depois por Joaquim Morão e a licença de construção foi passada em julho. No mês seguinte, Joaquim e Adriano resolvem separar os seus negócios, ficando o primeiro com a Investel e o segundo com a Martins & Irmão. A Herdade do Regato passou assim para a Investel, continuando a Martins & Irmão a fazer as obras por conta da primeira.
No final de janeiro de 2008, Hortense junta-se ao pai na gerência da Investel, em representação de outra sociedade familiar. A empresa inaugurou em julho o então chamado Centro de Eventos e Banquetes da Herdade do Regato, vangloriando-se de que o investimento ascendeu a três milhões de euros sem qualquer subsídio.
Nos bastidores do primeiro Governo de José Sócrates corria um processo legislativo que poderia vir a constituir uma oportunidade para a Investel. Três semanas antes de Hortense assumir a gerência, tal processo culminou na publicação do decreto-lei 2/2008, que estabelece as “orientações fundamentais” e o “modelo de governação” do Programa de Desenvolvimento Rural (Proder) para o período 2007-2013.
Pouco depois saiu outro decreto que define as regras da sua aplicação e em maio de 2009 foi publicado o respetivo regulamento, através da Portaria 520/2009.
Esse regulamento estipulava que as despesas efetuadas após 1 de janeiro de 2007 só eram suscetíveis de reembolso se os investimentos ainda não estivessem concluídos à data da aprovação dos pedidos de apoio constituía um obstáculo aparentemente intransponível para a Investel. O salão de eventos e o restaurante da Herdade do Regato já estava a funcionar desde junho de 2008.
Um eventual pedido de apoio para aquele projeto nunca poderia ser aprovado antes da sua conclusão, o que, só por si, o inviabilizaria. Apesar disso, logo que a Adraces abriu as candidaturas para o financiamento de projetos de “desenvolvimento de atividades turísticas e de lazer”, em setembro de 2009, a Investel avançou.
O pedido de apoio foi entregue e a empresa declarou que o espaço já estava concluído e em funcionamento. O processo, a que o Público teve acesso, refere de início que “à data passam 15 meses da inauguração deste centro de lazer e turismo gastronómico”.
Embora a candidatura tenha o nome de “Herdade do Regato – Centro de Lazer e Turismo Gastronómico”, a designação é uma novidade. No pedido de licenciamento camarário, nunca é usada, falando-se sempre e apenas em “sala de eventos”. A explicação parece estar no facto de o regulamento aplicável reservar as verbas disponíveis para “atividades turísticas e de lazer”.
Na candidatura adianta-se por isso, sem nunca referir a sala de eventos, que “a operação consiste no apoio à requalificação levada a cabo de um lagar de azeite que foi convertido em museu/restaurante, onde se desenvolvem atividades ligadas ao turismo gastronómico”.
O facto de o Proder dispor apenas de 350 mil euros para distribuir por todas as candidaturas que viessem a ser aprovadas pela Adraces no âmbito daquele concurso explica que a Investel não tenha candidatado o complexo que efetivamente construiu.
No entanto, foi para o construir que a empresa obteve a licença municipal. De acordo com a memória descritiva do respetivo projeto de arquitetura, a nova sala de eventos ficaria fisicamente ligada ao lagar de azeite. E este, depois de adaptado, serviria apenas como “sala de estar e bar de apoio”. Mais tarde, no pedido de apoio ao Proder, o espaço não seria para fazer o restaurante, mas sim o “Centro de Lazer e Turismo Gastronómico”.
O investimento total aprovado foi de 286.437 euros, recebendo a Investel 171.682 (80%) a fundo perdido – quase o mesmo que os outros cinco projetos aprovados na mesma altura para “desenvolvimento de atividades turísticas e de lazer” nos quatro concelhos abrangidos pela Adraces.
in https://zap.aeiou.pt - 20/5/2019