7.10.18

“CRÓNICAS DE LISBOA”: Sinto Saudades do Futuro

Ter saudades do futuro, como assim se a saudade é um sentimento de algo ou de alguém que nos marcou ou marca positivamente? Saudade de alguém que amámos e que já perdemos, por exemplo um ente querido ou um amor. Saudade de algo que foi bom para nós, etc. “...e é por isso que eu tenho mais saudades…; Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis! De que amamos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência…”. O passado deixou-me “marcas” profundas, no corpo e na alma, mas que, por isso, constituíram, juntamente com o meu ADN, as bases da minha personalidade. Não tenho, por isso, saudades desse passado, apesar da importância que ele teve em mim, porque foi muito sofrido e doloroso. Tivesse ele sido de “cor de rosa” e, nesta era conturbada, teria saudades dele. Mas não foi e se, e quando o cito, faço-o não como saudade desse tempo, mas como exemplo desse condimento que se misturou, no cadinho da vida, com a minha herança genética e ajudou a gerar o ser humano que fui sendo ao longo destas quase sete décadas de vida. Sendo, contudo, muito imperfeito, enche-me de orgulho, não um orgulho “bacoco”, mas um orgulho de encher a alma ao ponto de, por vezes, o peito querer rebentar, porque é demasiado pequeno para conter uma alma que quer ainda crescer, mas sempre num processo dinâmico, porque, até morrermos, poderemos sempre mudar para melhor. Só os mortos não mudam.
Ao invés de sentir saudade do passado, apesar das críticas que me dirigem, quando cito esse passado duro, muitas vezes insensatas e indiciadoras de falta de sensibilidade ou de conhecimento duma realidade que milhares de portugueses viveram há décadas atrás, sinto saudades do futuro, saudades de um futuro que desejo viver e que, sei, não viverei. “…Sinto saudades do futuro, que se idealizado, provavelmente não será do modo que eu penso que vai ser…”
Gostaria de viver muitos anos ainda, porque gostaria de realizar ainda muitos sonhos e realidades. Por exemplo, ver os “rebentos” do meu sangue a percorrer os caminhos da vida sem as dificuldades do meu tempo. Ser vigilante desses seres que vão adquirindo a sua autonomia, mas que nós tendemos sempre a querer proteger, com medo de que os muitos perigos desta vida, diferentes do meu tempo, mas talvez mais ameaçadores, os molestem, alguns de forma muito violenta e destruidora.
Aprendemos a ser filhos, quando somos pais, esta é uma grande verdade. E aprendemos a ser pais, quando somos avós, digo eu na minha experiência de vida. Mas, contudo, não teremos já oportunidade de aplicar esses saberes adquiridos. “O tempo não volta para trás” e a partilha intergerações tem vindo a perder-se, pagando todos um custo elevado. Nestes papeis, acabo por sentir saudades do passado, como filho e pai, mas sentir também saudades do futuro porque nele se projeta a minha vida. Seremos lembrados, até que exista alguém que se lembre de nós e da nossa “obra” na terra.
Mas, deixando o universo dum microcosmo que é a família, mesmo que constituída por três gerações, e apesar dela ser a base da pirâmide das superestruturas – cidade, região, país, continente e mundo – o futuro, tal como o vemos no presente e o projetamos, parece que, tudo o indica, não será um paraíso, aliás, em muitas partes do globo ele tem sido sempre um terrível inferno. As ameaças são muitas, porque os governantes não sabem, não querem ou nós não os deixamos, combater os males destruidores dum futuro que deveria levar-nos a sentirmos saudades dele, mesmo esperando ainda o seu provir. Fome, desigualdades, migrações, terrorismo, guerras, episódios violentos da natureza – cada vez mais agredida e a leva a “vingar-se nos humanos – poderão levar o mundo ou significativa parte dele para situações que nos leve a sentirmos saudades dum futuro que deveríamos saber criar e gerir. Então e afinal, acabaremos por sentir saudades do passado ou dum presente que, sempre que o citamos, já é passado, apesar de tudo e de todas as ameaças, ainda é um paraíso, mas, infelizmente e apenas, para uma franja da população mundial, maioritariamente, localizada a norte do globo terrestre. Afinal onde está a riqueza e o desenvolvimento da humanidade. Sinto saudades das coisas boas ou menos más, mas também das coisas boas que poderemos gerar, no futuro.
Serafim Marques - Economista