Era uma festa, de cada vez que o circo anunciava a sua chegada
à vila. Uns dias antes do espectáculo, a montagem do chapitteau durava dois dias, os mais pequenos trocava novidades:
olha, já vi os póneis e os elefantes.
- E eu já vi os artistas a treinarem.
Os cartazes colocados estrategicamente, anunciavam o maior
espectáculo do mundo, ou leões da Abissínia.
No sábado, era uma romaria de pequenos e grandes, fazendo
fila para entrar e pouco depois soavam os oh! E oh! Do encantamento dos
momentos mágicos, do suspenso do trapézio e as risadas mil perante os palhaços.
No domingo repetia-se a sessão à tarde e à noite. Os dias
que se seguiam eram da desmontagem, todas as folgas eram aproveitadas para ver
mais de perto, os artistas sem lantejoulas. Quando o último carro abandonava a
vila, ficava uma sensação de saudade e um desejo de regresso breve.
Até a magia do circo parece ter mudado. Na era da
velocidade, da comunicação via internet, o circo chegou num dia, fez o
espectáculo, e no dia seguinte, já só restava a palha em que os animais se
deitaram, e que um diligente funcionário camarário limpava.
Os chips dos computadores evoluem, as linhas RDIS de
telecomunicações permitem maiores velocidades, no acesso aos dados armazenados
em qualquer país do mundo habitável. Mais comunicação, mais informação, mais
rentabilidade, mais competitividade, mas que raio de velocidade!
O que eu queria mesmo, era que o progresso me desse a
oportunidade de viver humanamente, saboreando as magias do maior espectáculo do
mundo, com os meus filhos.
Porque, ao entrar e sair velozmente de Nisa, só me resta
perseguir a caravana coma ajuda do modem e apreciar virtualmente o próximo
espectáculo, num qualquer écran do computador.
Trrrim..., o telemóvel tocou. Eu, por coerência, não atendi.
Tirei-lhe a bateria, estiquei as pernas e puxando o chapéu para a cara, escondi
uma lágrima de saudade.
Zé de Nisa – Notícias de Nisa –nº3 (2ª série) –
14/5/1997