Este é um acordo de vassalagem que cumpre os objetivos dos EUA: a UE apoiará o seu crescimento à custa de austeridade interna, dependerá do petróleo e das armas do outro lado do Atlântico e não tocará nos rendimentos dos gigantes tecnológicos dos EUA. A vitória de Washington é total.
Uma derrota em campo aberto. Concedida sem luta. No domingo, 27 de
julho, entre algumas partidas no seu campo de golfe de Turnberry, na Escócia, o
presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a finalização de um acordo comercial
com a União Europeia. Durante todo o fim de semana, a presidente da Comissão
Europeia, Ursula von der Leyen, tinha negociado nas imediações do campo de
golfe escocês com um único objetivo em mente: evitar as taxas alfandegárias de
30% que Washington ameaçou impor aos produtos europeus caso não houvesse acordo
até 1 de agosto.
Visto a partir desta ameaça, a UE pode julgar que se saiu bem. Assim,
será imposta uma taxa alfandegária global de 15% aos produtos europeus em
território norte-americano. Mas este alívio não nos deve fazer esquecer três
elementos muito desfavoráveis aos europeus.
Em primeiro lugar, este imposto aduaneiro é assimétrico e é acompanhado pela ausência de impostos aduaneiros recíprocos para os produtos dos EUA que, portanto, passarão a competir com os produtos europeus nos seus mercados sem restrições.
Em segundo lugar, este imposto aduaneiro é superior ao nível de 10%
aplicado desde 2 de Abril. Portanto, haverá um aumento do preço dos produtos
europeus no mercado norte-americano. Isto é especialmente verdade porque o
nível do ano passado era inferior a 5%. Certo, a tarifa sobre os automóveis é
reduzida de 25% para 15%, mas Donald Trump deixou claro que esta tarifa não se
aplicará aos produtos farmacêuticos e à metalurgia. O aço e o alumínio europeus
continuarão sujeitos à atual tarifa de 50%, o que efetivamente fecha o mercado
dos EUA aos produtos europeus.
Por último, o acordo inclui compromissos consideráveis da parte da UE. Desta forma, o bloco compromete-se em investir mais 600 mil milhões de dólares nos Estados Unidos, três vezes o valor do excedente comercial bilateral alcançado pelos europeus em 2024. Isto é ainda mais difícil de aceitar, dado que a Zona Euro sofre de sub-investimento crónico há anos e que este é um dos problemas do crescimento relativamente fraco da região.
Mas a isto se junta um montante de 750 mil milhões de dólares em gastos
em “produtos energéticos” dos EUA. Também aqui a pílula é difícil de engolir
para uma União Europeia que, há não muito tempo, se afirmava pioneira na luta
contra o aquecimento global. Porque os “produtos energéticos” dos Estados
Unidos são sobretudo combustíveis fósseis: petróleo, gás de xisto e gás
liquefeito. Estas importações irão abrandar mecanicamente o uso de energias
renováveis no Velho Continente.
Por fim, Donald Trump garantiu que a UE se comprometa a comprar “vastos montantes” de armas aos EUA. E, mais uma vez, é uma má jogada. A UE, mas sobretudo os estados-membros, lançaram programas de rearmamento em grande escala em nome da “soberania europeia”. Esta seria a oportunidade para recriar e fortalecer a fileira na Europa. Mas a UE decidiu continuar a tornar o Velho Continente em grande parte dependente do fornecimento de armas dos Estados Unidos. Dito de outra forma: os planos de rearmamento, que muitos países, a começar pela França, financiarão com cortes nas despesas sociais e redistributivas, permitirão a transferência de fundos para os Estados Unidos. Para sermos ainda mais claros, podemos resumir assim: a austeridade europeia financiará o crescimento americano.
Acordo de Vassalagem
Na noite de domingo, a imprensa económica de língua inglesa celebrava o
facto de um acordo ter evitado “uma guerra comercial”, mas, na realidade, a
forma da UE evitar a guerra foi capitular. Ursula von der Leyen podia bem
afirmar a sorrir que o acordo foi um “bom acordo” e que foi “duro” de negociar.
A realidade é que cedeu à pressão dos industriais europeus que não queriam
correr o risco de serem excluídos do mercado americano.
Na sexta-feira, 25 de julho, no Le Figaro, Bernard Arnault,
diretor-executivo da marca de produtos de luxo LVMH, declarou preferir um
“acordo visivelmente desequilibrado” a um “braço de ferro”. Na verdade, estes
industriais só trabalham para si próprios: estão pouco preocupados com a
concorrência americana e com o modelo social europeu; apenas se preocupam com o
seu acesso aos mercados estrangeiros.
“O acordo comercial negociado pela Comissão Europeia com os Estados
Unidos trará estabilidade temporária aos atores económicos ameaçados pela
escalada alfandegária americana, mas é desequilibrado”, preveniu o ministro
francês delegado para a Europa, Benjamin Haddad, na rede social X, alertando
para o risco de os europeus “perderem o rumo se não acordarem”.
O acordo alcançado na noite de domingo é, de facto, um acordo de
vassalagem. Donald Trump nunca escondeu as suas intenções e o acordo assinado
há poucos dias com o Japão tinha confirmado o seu objetivo. Para a
administração norte-americana, trata-se de capturar parte do valor criado nos
países aliados, de garantir o acesso das empresas americanas aos mercados e
recursos desses países e, finalmente, torná-las dependentes dos produtos
americanos.
O acordo UE-EUA cumpre cada um dos seus objetivos: a UE apoiará o
crescimento dos EUA, dependerá do petróleo e das armas do outro lado do
Atlântico e não tocará nos rendimentos digitais dos gigantes tecnológicos dos
EUA. A vitória de Washington é total.
Por seu lado, Bruxelas apenas pode afirmar ter limitado os danos. Certamente, haverá uma eliminação recíproca dos impostos alfandegários sobre certos produtos, como a aeronáutica, os produtos químicos ou certos produtos agrícolas. Mas a realidade continua a ser a mesma: o mercado europeu não está protegido. Enquanto Donald Trump enterra, no seu país, a crença nos benefícios da globalização, a União Europeia sacrifica o seu mercado interno e a sua soberania aos interesses dos seus exportadores. Por isso, não é de estranhar que o primeiro chefe de Governo a reagir tenha sido Friedrich Merz, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, que acolheu um acordo que “evita uma escalada inútil”.
A UE, mais do que nunca um anão político
Mas também aí, esta história, que nos próximos dias tentará esconder o
desastre que este acordo representa, é dificilmente sustentável. A escalada foi
liderada pelo próprio Donald Trump, que ameaçou a UE com tarifas de 25% e 30%,
sem que a UE ousasse realmente responder e procurasse responder com ameaças
equivalentes. E compreende-se porquê: um conflito com os Estados Unidos é, na
realidade, impensável para o atual executivo europeu e para a maioria dos seus
governos. E a UE continua a ser a UE: um bloco comercial focado no apoio aos
seus exportadores em detrimento da procura interna.
Porque o que pode acontecer agora? Os exportadores europeus terão de
reduzir os seus custos para se manterem competitivos nos Estados Unidos,
enquanto o mercado europeu será dominado pelos produtos americanos. O
financiamento da compra de armas pelos EUA exigirá cortes maciços nas despesas
sociais, embora as despesas militares impulsionem apenas modestamente o crescimento
interno.
Como resultado, as empresas europeias que dependem do seu mercado
interno sofrerão, enquanto os exportadores aproveitarão para justificar
economias de escala. A procura interna europeia só pode, portanto, enfraquecer.
E é isso que procura Donald Trump, que segue uma lógica predatória: o seu
objetivo é transferir valor da UE para os Estados Unidos. Esta lógica aplicada
a uma área que já está a sofrer um crescimento anémico só pode ter efeitos
negativos a médio ou longo prazo. Principalmente porque será necessário
investir do outro lado do Atlântico e não na Europa.
Em suma, este acordo revela o facto de a UE não ter qualquer desejo
real de aparecer como uma “potência” independente. Procura manter-se, acima de
tudo, aquilo que é: uma máquina de exportação sob a proteção militar e política
dos Estados Unidos. É um anão político que, para continuar a vender
máquinas-ferramentas e automóveis no estrangeiro, está disposto a ignorar os
seus problemas sociais tanto quanto a crise ecológica ou o exercício
autoritário do poder por Donald Trump. O alívio demonstrado pelos líderes
europeus na noite de domingo tinha algo de cobarde.
28 de julho 2025 – in www.esquerda.net
· Artigo publicado originalmente no Mediapart por Romaric Godin
** Romaric Godin é jornalista no Mediapart. Especialista em economia e
autor de vários livros entre os quais La guerre sociale en France: aux sources
économiques de la démocratie autoritaire publicado nas éditions de la
Découverte em 2019.