17.7.25

DIREITO À HABITAÇÃO: Há possíveis violações de direitos humanos nas demolições em Loures e Amadora, acusa Amnistia Internacional


Há duas noites que mais de 50 famílias, incluindo dezenas de mulheres, crianças e idosos estão na rua, muitos a dormir ao relento junto do que restou das suas casas após as demolições realizadas na segunda (14) e na terça-feira (15) nos bairros do Talude Militar, Catujal, em Loures, e da Estrada Militar, Mina de Água, na Amadora.

Os avisos aos moradores de que as ações de demolição aconteceriam nas próximas 48 horas só terão sido afixados ao final do dia na sexta-feira (11 de julho), impossibilitando o recurso atempado das populações, nomeadamente aos tribunais.

Mesmo assim, várias providências cautelares já tinham dado entrada, a que se somaram outras tantas durante o fim-de-semana e na segunda-feira.

Os despachos dos tribunais administrativos de Lisboa e de Sintra impediram a continuação dos trabalhos no bairro da Estrada Militar, na Amadora, ainda na segunda-feira, mas não no Talude Militar, em que além das 51 casas do primeiro dia, terão ainda sido realizadas mais três demolições até ao final da manhã de terça-feira, alegadamente horas depois do envio do despacho à autarquia de Loures.

A Amnistia Internacional – Portugal tem estado a acompanhar esta situação com preocupação. Foram enviados pedidos de esclarecimentos urgentes às duas Câmaras Municipais e feitos contactos no sentido de contribuir para a procura de soluções habitacionais que evitassem que centenas de pessoas ficassem em situação de sem-abrigo.

Segundo a resposta dada pela autarquia da Amadora “os serviços sociais da CMA, em articulação com os competentes serviços da administração central, assegurarão resposta de emergência, de acordo com as necessidades manifestadas e diagnosticadas”. Contudo, de acordo com organizações no terreno, nem no dia das demolições esteve presente qualquer técnico ou assistente social da autarquia nem, até ao momento, terá sido prestado qualquer apoio ou dada alguma alternativa habitacional às famílias desalojadas.

A Câmara Municipal de Loures, apesar de nova insistência por parte da Amnistia Internacional – Portugal, não deu qualquer resposta aos nossos pedidos e apelos.

A Amnistia Internacional – Portugal relembra as obrigações das autoridades locais e do Estado previstas na Lei de Bases da Habitação (Lei n.º 83/2019, de 3 de setembro), concretamente:

• Artigo 8.º, ponto 4, indica que é conferida “proteção adicional às pessoas e famílias em situação de especial vulnerabilidade, nomeadamente as que se encontram em situação de sem-abrigo (…)”;

• Artigo 13.º, ponto 4, relativo à proteção e acompanhamento do despejo, refere: “O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei”

• Artigo 13.º, ponto 6, alíneas: a) “Desde o início e até ao termo de qualquer tipo de procedimento de despejo, independentemente da sua natureza e motivação, a existência de serviços informativos, de meios de ação e de apoio judiciário”; b) “A obrigação de serem consultadas as partes afetadas no sentido de encontrar soluções alternativas ao despejo“; c) “O estabelecimento de um período de pré-aviso razoável relativamente à data do despejo”; e e) “A existência de serviços públicos de apoio e acompanhamento de indivíduos ou famílias vulneráveis alvo de despejo, a fim de serem procuradas atempada e ativamente soluções de realojamento, nos termos da lei.”


• Artigo 13.º, ponto 7, a legislação prevê também que as pessoas e famílias carenciadas que se encontrem em risco de despejo e não tenham alternativa habitacional tenham “direito a atendimento público prioritário pelas entidades competentes e ao apoio necessário, após análise caso a caso, para aceder a uma habitação adequada”.

No mesmo sentido, lembramos também as conclusões do Comité das Nações Unidas para os Direitos Sociais e Económicos, de 30 de março de 2023, relativas a Portugal, em especial a recomendação do parágrafo 27 sobre o Estado dar continuidade aos esforços de garantir condições habitacionais adequadas às populações. Tal como refere a alínea b (do mesmo parágrafo), dando prioridade a pessoas em risco de ficarem em situação de sem-abrigo e concebendo uma estratégia, com consulta ampla e genuína das pessoas afetadas, para resolver o problema dos sem-abrigo e, sobretudo, para ajudar as pessoas a encontrarem soluções de habitação sustentáveis que lhes permitam exercer outros direitos consagrados no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

Dada a ausência de respostas, a Amnistia Internacional – Portugal torna público o seu apelo para que, em primeiro lugar, sejam encontradas soluções céleres, inclusivas e respeitadoras dos direitos humanos de todos os envolvidos e, em segundo, para assegurar o respeito e o cumprimento efetivo da Lei de Bases da Habitação, nomeadamente no que diz respeito às garantias em caso de despejos, bem como a que a sua aplicação seja feita em conformidade com o direito internacional e as normas internacionais, incluindo os Princípios-base e Diretrizes das Nações Unidas sobre Despejos e Deslocamentos com base no Desenvolvimento.

*  Executive Digest  17 Jul 2025

IMAGENS - Daniela Rocha - Póblico