(O evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago)
Foram três homens
diferentes ou iguais
daqueles
que, homens, ainda hoje o são.
E ter-se-ão chamado:
José - um, outro Cristo, filho deste;
e o terceiro - João
Ora, na história dos três,
e tal, como no céu, os pássaros
voam
por vias e por rastros e rotas
Impensadas
ou por ínvios e trilhos
insonhados,
caminharam, sulcaram dois;
o outro, breve, perdido,
tombou como ave de asa
rasgada, no chão.
Três homens foram, três
homens são.
Repete-se a história: Foi
ontem, é hoje, é amanhã.
Mas a história não pára, e,
por isso,
mais três mulheres
houveram:
uma, a que, virgem, pariu e
não foi mãe;
outra, a doida de amor, que
nunca foi amante;
e aquela que resta ou
sobrou do sonho
e, assim, vaga, sombria, raio
corisco,
não terá sido mais
que penumbra, nuvem,
longe, céu distante.
Ao que parece, pois, terão
sido seis...
Certas, porém, as contas
quem as fez?
Os homens ou, se ele existe,
foi Deus?
* António Bento
IMAGEM: Albrecht Dürer, Crucificação. Nuremberg, 1498.