Tantos nomes de tantas pessoas que deambulam por aí, de olhar vazio e com o destino incerto. Chama-se Bernardo, mas podia chamar-se, José, Adelino, Joaquim...
Já foi criança, como tantas outras e, bastante novo, perdeu a mãe. Foi jovem e brincou, à semelhança de outros jovens na rua, na conquista de lugares e territórios, criados pela sua fértil imaginação.
Depois, cresceu... No tempo, no espaço, nas atitudes. Fez-se homem e entrou de rompante no mundo que regula os comportamentos politicamente correctos ou socialmente aceitáveis: o dos adultos.
A esse tempo, Bernardo viajava já noutro universo, e noutra latitude: o dos pensamentos e ideias desconexas, e o das carências afectivas.
E no turbilhão de encontros e desencontros, de certezas e desilusões, em que o seu pequeno mundo se foi tornando, foi crescendo em Bernardo uma onda, grande, assustadora, de insatisfação, de revolta e afrontamento com a comunidade que até então o aceitara e compreendera.
Bernardo está doente e os fármacos que diariamente ingere, apenas servem para lhe acalmar, por breves instantes, a tempestade mental em que o seu corpo se revolve.
Os epítetos de “marginal” e de “anti-social” que lhe colaram para lhe classificarem a violência dos gestos e das atitudes, cavou, mais fundo ainda, o fosso da incompatibilidade social existente. Desleixou-se e o seu aspecto físico, repele, ao primeiro sinal, qualquer tentativa de aproximação.
Chama-se Bernardo, mas podia chamar-se Fernando Eduardo, Luís...
Anda por aí, ao deus-dará, sem rumo e com milhentos rumos a fervilharem-lhe na mente, invectivando contra tudo e contra todos, dedo espetado em riste, apontando os “culpados” da sua desdita e sendo apontado por todos como o “alvo” a abater, a repelir...
Bernardo está doente e, na sua sede de justiça, no seu clamor por compreensão, sente-se vítima, repelida de uma sociedade que não pensa como ele, que não o acolhe e não lhe satisfaz os recônditos e complexos anseios..
Chama-se Bernardo e como todos os Bernardos, Antónios, Joaquins, bem precisa que as instituições ditas sociais e de solidariedade, tivessem uma palavra, mil palavras e gestos, tantos quantos os necessários capazes de abrirem um pouco, as frestas de claridade ao mundo de trevas em que se viram mergulhados.
Bernardo está doente e mais do que os químicos e psicotrópicos que atenuam dores e ímpetos, necessitava, ele e todos os Bernardos deste país e do mundo, com urgência, que o Estado não se demitisse das suas responsabilidades e lhes criasse as condições socialmente justas e humanamente dignas, para poderem afirmar-se como pessoas e não como filhos de um Deus menor!...
* Mário Mendes - Jornal de Nisa nº7 - 15 Abril 1998