A arquiteta que apresentou a primeira Lei de Bases da Habitação, aprovada em 2019, Helena Roseta, anunciou esta terça-feira que tenciona apresentar uma queixa ao Ministério Público contra as demolições de barracas habitacionais em Loures, levadas a cabo pela câmara municipal.
"[O despacho da câmara municipal] não tem qualquer espécie de cobertura legal e, portanto, isto é uma ilegalidade. É um abuso de poder. Eu própria tenciono, com quem me queira acompanhar, denunciar esta ilegalidade e este abuso de poder ao Ministério Público", anuncia, no Fórum TSF desta terça-feira.
Helena Roseta entende que está em causa "uma flagrante situação de abuso de poder" e uma "ilegalidade" e expõe os seus argumentos.
"O Artigo 13.º da Lei de Bases da Habitação, aprovado em 2019, e da qual eu fui grande promotora, diz muito claramente que não pode ser feito o despejo administrativo sem garantia prévia de solução alternativa. O despejo administrativo é um despejo determinado por uma câmara ou por um órgão do Estado. O despejo judicial seria decretado pelo Tribunal. Estes despejo não foi decretado pelo Tribunal", explica.
Além de criticar o prazo de 48 horas dado aos morados para encontrarem uma resposta habitacional, sublinha que o despacho emitido pelo presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão, "não refere uma única vez a existência de pessoas a morar nas casas que se mandam demolir, como se não existissem".
Aponta que a par da "ilegalidade urbanística", existe uma "outra coisa muito importante": o direito à habitação, previsto na Constituição. Sublinha, por isso, a "responsabilidade" das autarquias nestes casos e lamenta que a opção por despejar e demolir sem qualquer tipo de ajuda para estes moradores esteja a "tornar-se quase na única resposta de duas ou três autarquias na área de Lisboa".
“Para quem a melhor solução para situações precárias é erradicá-las, colocar pessoas na rua, com a hipocrisia de dizerem que o fazem, porque as situações são indignas. Pois é, mas irem para a rua ainda é mais indigno.”
Helena Roseta aponta ainda o dedo ao Governo da AD: denuncia uma situação de "cegueira ideológica" por parte do Executivo, que, perante uma "desregulação total do mercado habitacional", continua sem "vontade de tocar no mercado privado". Apela, por isso, para que sejam criadas políticas de regulação, "como há em toda a Europa e até mesmo nos Estados Unidos da Amércia".
"[O Estado] tem de tocar em alguma coisa, porque o mercado não está a responder. A existência destas situações precárias paralelas irregulares é o mercado clandestino que aparece sempre quando o mercado legal não funciona. O mercado legal está a funcionário muito bem para quem é rico, mas para os outros não funciona", assinala.
E os partidos, o que dizem?
Ouvido no Fórum TSF, o deputado do Chega Bruno Nunes e vereador em Loures começa por expor de forma tácita a posição do partido: "Somos a favor da demolição das barracas."
Além de recusar chamar "casas" às barracas construídas, afirma que a Constituição "em momento algum diz que o Estado tem de dar uma casa às pessoas". Entende, antes, que o que é preciso é assegurar que os habitantes que estejam em território nacional em situação legal tenham "direito a uma habitação com condições dignas".
"Neste sentido, deve o Governo ir ao encontro das preocupações que estão descritas na lei mãe e tentar criar políticas públicas para habitação, coisa que nunca foi feita", evidencia.
Já a líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, destaca a urgência de resolver os "problemas da especulação imobiliária". E, para isso, diz, é preciso "não beneficiar quem compra casas para especular, não beneficiar os fundos imobiliários que compram e têm muitos ativos imobiliários e muitas vezes mantém-nos fechados exatamente para fazer especulação e para que eles valham mais daqui a uns tempos, é preciso garantir também todas as condições para que os senhorios tenham a confiança de pôr as suas casas no mercado".
"Mas, sobretudo, é preciso garantir que o Estado tem mais habitação pública", remata.
No caso da Iniciativa Liberal, a deputada Angelique da Teresa considera que é preciso aumentar a oferta no mercado de habitação, assim como "baixar os impostos prediais" no que diz respeito ao mercado de arrendamento.
"Atualmente temos cerca de 250 mil casas vazias em Portugal que estão fora do mercado de venda ou de arrendamento, e não se consegue explicar por que é que isto acontece", nota.
A comunista Paula Santos pede ainda ao Governo que não perca tempo a intervir, desde logo aumentando a oferta de habitação pública. E lembra igualmente as milhares de casas vazias espalhadas pelo país, sobretudo aquelas situadas na Área Metropolitana de Lisboa.
O PCP defende também que as demolições, sem apresentação de uma solução habitacional prévia, são desumanas.
A autarquia de Loures iniciou na segunda-feira uma operação de demolição de 64 habitações precárias autoconstruídas no Talude Militar, onde vivem 161 pessoas. Segundo o município, neste primeiro dia foram demolidas 51 casas. Esta terça-feira de manhã, já depois do despacho do Tribunal Administrativo de Lisboa que impediu a câmara de continuar estes trabalhos, foram demolidas mais quatro casas.
IMAGEM: Foto de Tiago Petinga - Lusa