26.12.24
OPINIÃO: Empatia no sapatinho
Na sua raiz, a palavra empatia descende de um vocábulo grego que significava paixão. Percebe-se que a nossa identificação intelectual ou afetiva com o outro seja simples quando ele nos desperta paixão. O mesmo acontece com uma determinada ideia: é fácil aderir ao que nos cativa, nos entusiasma e nos preenche a alma. O exercício de entender o outro e de nos colocarmos nos seus sapatos torna-se substancialmente mais exigente quando tudo nele grita diferença e nos causa estranheza.
O espírito de Natal apela à compaixão e ao acolhimento de quem está em sofrimento e em perda. Convida a sentir as mais de 45 mil mortes em Gaza, ou a privação dos dois milhões de portugueses que vivem em risco de pobreza. Correndo o risco de simplificação, torna fácil o desafio a recordar os escombros que existem sempre sob o brilho das luzes. Mais difícil é transportar esse olhar atento e humano para o quotidiano, sem precisar que o Natal tente escavar o melhor que existe em nós. E mais difícil ainda perceber que não basta a empatia quando há confluência e concordância. Estamos profundamente carentes de abertura à divergência.
Com as mudanças cada vez mais rápidas no Mundo e os sinais de tensão e polarização que contaminam o quotidiano, a tolerância efetiva seria uma epifania bem-vinda no plano coletivo. Permitiria que tivéssemos menos preconceitos e desconfianças relativamente aos imigrantes, que aceitássemos a diversidade em todas as suas variáveis, que nos empenhássemos em eliminar sucessivamente o ódio e os muros que erguemos entre nós.
Obrigaria a abandonar a lógica de bolha e de rebanho para a qual os algoritmos tendem a empurrar-nos.
A empatia que procura entender o outro não é uma mera evocação da quadra. É uma escolha de alcance pessoal, mas sobretudo social e político. Tem consequências na forma como nos ouvimos, como lideramos, como definimos ações e prioridades políticas. Faz toda a diferença entre ficarmos fechados na redoma das nossas certezas, ou ativamente de braços abertos para um mundo em que todos contam na sua singularidade. Pessoalmente, não vejo mais universal presente.
Inês Cardoso - JOrnal de Notícias - 25 dezembro, 2024