14.12.24
OPINIÃO: Maria e Paulo, apenas uma história triste
Quantos de nós, que moramos nas grandes cidades, sabemos o nome dos nossos vizinhos, lhes falamos com frequência, lhes damos os bons dias e duas de conversa à janela ou à porta? Quantos de nós já paramos para pensar: já não vejo aquele vizinho há algum tempo... A resposta a estas perguntas é demasiado óbvia: somos poucos, assustadoramente poucos.
As comunidades urbanas são casulos de egoísmo e de rotinas cegas. Não enxergamos o óbvio porque não paramos o suficiente. Os dias são vividos a grande velocidade, cada um encaixado no seu universo de prioridades. Como se tivessemos medo de chegar tarde a lugar nenhum.
A história de Paulo Galvão e de Maria Emília é um desgosto recorrente: um filho e uma mãe foram abandonados à sua sorte na maior cidade do país. Morreram sozinhos, em casa, em pleno coração de Lisboa, no mais vergonhoso silêncio. Ele primeiro, supõe-se de causas naturais, a mãe, acamada e doente de Alzheimer, depois, pelas mesmas razões. Ao estranhar a quietude doméstica, a mulher, de 92 anos, levantou-se, caiu e fraturou uma perna. O filho, de 63 anos, já estaria morto há vários dias. Os vizinhos não deram por (quase) nada. Paulo deixou de ir ao pão, não atendia o telemóvel, já não era visto nos afazeres do costume. Mas foi o atraso no pagamento da renda que fez soar o alerta entre quem fazia a cobrança.
Maria e Paulo não moravam na pobreza, viviam num bom prédio, numa zona nobre do Bairro de Santos, eram a típica família de classe média alta. Não há, por isso, nenhum complexo socioeconómico que possamos invocar na caraterização deste caso. Naquela zona de Lisboa, e podíamos extrapolar facilmente para outras geografias urbanas, os velhos empoleiram-se no beiral das janelas para amparar a solidão na agitação das ruas, num frenesim tão sonoro quanto o silêncio que forra as paredes de tantas casas. A história de Maria e de Paulo é só uma história triste.
• Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias - 14 dezembro, 2024