18.12.24
TEXTOS DE ESCRITORES NISENSES: José Hilário
O Natal e o Pardal, que saudades ai! ai!
O búzio tocou repetidas vezes. Meia hora mais tarde, na taberna do “ti Júlio”, em frente à sacristia, foi feita a contagem do pessoal e verificada a presença dos elementos chave.
Pegámos em duas carretas de bois, mas puxadas e empurradas pela rapaziada, até ao Azinhal, em busca de duas azinheiras e um sobreiro, previamente pedidos ao dono, para o lume do Natal.
Naquela época ainda não havia moto-serras. Toca a puxar pelo serrote e com machadadas desordenadas, lá fomos transformando as velhas árvores secas, em compridos toros que o lume havia de devorar.
O lume foi feito, aliás como sempre, no pequeno largo em frente da igreja. Toda a tarde choveu e a noite previa-se ainda pior. Enquanto as mulheres e as moças em casa faziam as filhozes e as azevias, era tradição e ainda é, os rapazes nascidos no mesmo ano juntarem-se, para à volta do braseiro, assar qualquer coisa e aconchegar o estômago, pois as couves com o azeite por cima, em plena juventude, com tripa de pato, já tinham ido barroca abaixo e a noite era longa.
Uma linguiça e um copo de três vinham mesmo a calhar. Na pequena taberna não se conseguia lá entrar, a chuva caía a cântaros, o lume ia-se apagando lentamente e a barriga a dar horas. Podia lá ser uma noite tão especial, depois de um esforço hercúleo, nem lume nem petisco.
-Dê o mal para onde der, sem petisco é que não pode ser, disse o magricela do”Espiga”.
-Ir à procura de uma galinha, ou melhor ainda, de um galo é que vinha mesmo a calhar.
-Aqui bem perto está um na oliveira da Fonte da Bica, disse “Mangas”. O Pardal desapareceu, da taberna, voltando pouco depois com um enorme “galarous” debaixo do casaco.
Entretanto o lume tinha-se apagado por completo.
Pela cabeça de todos nós passou a mesma ideia. Só faltava mais esta! E agora?
O “Galhofas” encontrou a solução. - "Calma rapaziada, na casinha semi-abandonada, onde a minha mãe guarda as velharias, talvez a gente se desenrasque" . Excelente ideia. Aprovada por unanimidade.
Lá fomos mais ligeiros que um sargento de infantaria. Mas um galo assado, mesmo grande como era aquele, para tanta malta, com dezassete anos e cheios de apetite não chegava, só se o fizermos guisado, assim já chega. Essa é boa. As trempes, caçarola, lenha, batatas, cebolas, louro e alhos, há aqui, mas o azeite a estas horas da noite?
-Desse assunto trato eu - disse o “Pardal” convictamente. Passado pouco tempo apareceu o bom do “Pardal” com uma almotolia quase cheia. Foi o delirio.
Já com a barriguinha cheia, o “Clarinete” perguntou ao “Pardal”:
-Onde diabo foste tu arranjar o azeite que tem um gosto esquisito?
-À igreja.
-Não tens raça de vergonha! Roubar a igreja vejam bem.
-Estás enganado, não roubei nada.
Com o lume do Natal apagado, vi que dentro da igreja havia uma luz muito fraquinha, quase a apagar-se. Resolvi entrar e por mais azeite nas lamparinas, para que os santos ficassem alumiados durante toda a noite.
O S. Simão até sorriu e a Nossa Senhora do Rosário de Fátima, com o seu bondoso olhar, autorizou-me a trazer o resto, mas eu prometi-lhes que a minha avó amanhã manda repor o que se gastar hoje. Afinal não é ela quem lá põe o azeite durante todo o ano? E este sempre foi bom ser gasto, pois já tem alguns anos.
Entretanto deixou de chover, a noite tornou-se mais acolhedora, cada um foi à procura do “vale de lençóis”, já a pensar no baile à noite, no salão do “ti Reizinho”.
* José Hilário