13.12.24

OPINIÃO: Lembram-se do menino sírio morto na praia?

A guerra civil na Síria fez, desde 2011, meio milhão de mortes civis, sete milhões de deslocados internos e outros cinco milhões que fugiram para os países vizinhos. E mais de um milhão de refugiados na União Europeia, durante o êxodo de 2015. Talvez o leitor ainda retenha na memória o nome de Alan Kurdi. Não? E se lhe falar da foto de um menino sírio de três anos, de bruços na areia de uma praia da Turquia, morto na sequência do naufrágio do barco insuflável em que a sua família tentava chegar à terra prometida? Um tempo em que, numa Europa ainda solidária, se considerava uma ignomínia levantar uma cerca de arame farpado, para conter gente desesperada, como fez Viktor Orbán na Hungria. Um tempo em que Angela Merkel era chanceler da Alemanha e garantia que a Alemanha (e a Europa) tinha a capacidade e a vontade de acolher todos os deserdados que vinham a caminho. Nos dias que correm, o equilíbrio de forças mudou. Merkel deixou a chancelaria e Orbán alicerçou o seu poder autocrático em Budapeste. Foi a sua retórica anti-imigração, xenófoba e racista que prosperou no discurso político. Primeiro, nos partidos de direita radical e de extrema-direita. Depois, contaminando o discurso e políticos da direita à esquerda. Hoje, os governos atropelam-se para anunciar a sua indisponibilidade em acolher mais um sírio que seja. Se o regime caiu e o ditador se refugiou em Moscovo, a Síria passou a ser um lugar seguro. Mesmo que o grupo que tomou o poder em Damasco tenha raízes no terrorismo islâmico. Mesmo que a guerra perdure nos diferentes territórios e entre as diferentes etnias e grupos religiosos desse Estado falhado, mesmo que as infraestruturas, as casas e a economia estejam destruídas. Se não há Assad, não há refúgio, dizem os governos da Suécia, Itália, Grécia, França, Bélgica e até da Alemanha. Na Áustria, prepara-se um plano de deportação. A memória de Alan Kurdi dissolveu-se na areia de uma praia do Mediterrâneo. • Rafael Barbosa- Jornal de Notícias -12 dezembro, 2024