11.12.24

OPINIÃO: Madeira: retórica e realidade

Sempre que se pronuncia sobre a sua posição política e os alicerces da convicção de que está para durar no Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque invoca a legitimidade do voto popular e do mandato que lhe foi democraticamente confiado. Ignora que, a somar à fragilidade de um resultado minoritário em maio, somou motivos acrescidos de desconfiança ao longo dos meses seguintes. Geriu de forma desastrosa o grande incêndio de agosto, partilha com quatro membros do Governo a condição de arguido por alegados crimes no exercício de funções, viu chumbado o Orçamento para 2025 (algo inédito em quase 50 anos de autonomia), perspetiva-se a aprovação de uma moção de censura e somam-se notícias de fraturas no PSD Madeira. Rosto da crise, Miguel Albuquerque já deveria ter tirado consequências e assumido um afastamento que seria essencial para virar a página na região. A legitimidade de um eleito não se esgota nas urnas. Renova-se diariamente na ação e no escrutínio a que é sujeito. Não saber entendê-lo é abrir espaço aos discursos populistas e às perigosas generalizações que minam a confiança dos cidadãos nos seus governantes. E se é verdade que a autonomia condiciona a margem de manobra dos partidos, também por isso deveria haver redobrada cautela nas declarações feitas a partir do continente. O chumbo do Orçamento foi apontado pelo líder parlamentar social-democrata como mais um exemplo de que o PS anda a “saltar para o colo do Chega”. As narrativas alimentadas tanto pelo PSD como pelo PS, acusando-se mutuamente de se aliarem ao partido de André Ventura, estão gastas e são cansativas. Mais ainda, ignoram as responsabilidades próprias que os partidos do arco da governação têm no crescimento dos extremismos. A luta contra os populismos começa dentro de casa, limpando casos de evidente abuso de poder e recusando a disputa de ideias ou propostas da extrema-direita. Tem razão Hugo Soares: “a realidade política não pode ser diferente da retórica”. A carapuça assenta demasiado bem ao PS e ao PSD. • Inês Cardoso – Jornal de Notícias - 11 dezembro, 2024